De visita à Bloom

Pedro de Lemos Lisboa, administrador para as operações mundiais da editora alemã Taschen
“Está na altura de ter uma estratégia para a Ásia”

Esteve de fugida em Macau, como turista, mas como administrador da editora Taschen, Pedro de Lemos Lisboa não deixou de sondar o mercado dos livros na cidade. Nesta entrevista ao Hoje Macau, o livreiro revela que a Taschen se prepara para investir mais a sério na Ásia e que Macau se tornou num sítio cosmopolita onde poderá valer a pena, no futuro, uma empresa investir.

Como é que um português chega a administrador da Taschen, uma das mais conceituadas da Alemanha?
Não tem que ver o ser português. Eu, antes de trabalhar na Taschen, trabalhei na Bertelsmann que é um grupo mundial na área editorial e dos media. Trabalhei em Portugal e em Espanha e depois tive uma oferta para trabalhar na Taschen. Fui para a Alemanha e fiquei a trabalhar como director de produção, encarregue da produção de todos os livros. Depois houve uma carreira que foi progredindo com mais responsabilidades e desde há três ou quatro anos sou administrador, responsável pelas operações mundiais.

Qual é a estratégia da Taschen para a Ásia?
Estamos numa altura de definir estratégias para a Ásia. É também uma das razões por que estou aqui. Até agora a Ásia não tem tido um papel muito importante em termos de vendas. Desde há cinco, seis, sete anos que há uma relação com os fornecedores, muitos trabalhos são impressos, mas, na verdade, em termos de vendas não tem tido um papel significativo. Há cerca de dois anos abrimos um escritório em Hong Kong, onde temos pessoal - não só para vendas mas também para coordenação em termos de compras - e, a partir dessa célula, estamos a avaliar qual a estratégia melhor para evoluir. Os negócios, aqui na Ásia, têm-se desenvolvido muito bem através de distribuidores, através de parceiros locais, de clientes. Temos a sensação que está na altura de avaliar a situação de uma forma mais global e definir o que vamos fazer nos próximos anos. Estive de visita à China, em Xangai e em Pequim, onde falei com algumas das personalidades envolvidas nesta área, falei também com o meio cultural, com artistas, e certamente, nos próximos meses vamos definir uma estratégia nova para a Ásia. Isto significa que, de alguma forma, vamos estar mais envolvidos directamente na distribuição dos nosso produtos, e em produzir títulos que tenham como tema a Ásia.

O que acha que o mercado na China ou na Ásia está mais disponível para consumir?
É evidente que, em qualquer mercado, os temas locais têm sempre um impacto diferente. Nós temos publicado alguns temas, nos últimos tempos, dedicados ao tema Ásia. Saíram livros sobre design de interiores, chamados “Living in China”, “Living in Japan”, e temos outros títulos que têm saído recentemente sobre esta área. É evidente que para expandirmos as vendas temos que ter mais produtos dedicados a esta zona. Essa é também uma das preocupações, neste momento, estabelecer contactos com as personalidades culturalmente relevantes na área da arte e do design. Temos estado em contacto com editores chineses e estamos a desenvolver um trabalho dedicado à fotografia na China que vai abranger cinquenta anos de fotografia. É uma obra de certo fôlego que demorou algum tempo a desenvolver mas que vai estar concluída dentro de cerca de um ano. Por isso, por um lado, queremos abranger os temas locais e levar estes temas para o outro lado do mundo.

Conta jogar com esse interesse...
Exactamente. Sabe que a filosofia da Taschen é muito simples. Não publicamos livros que tenham apenas um mercado limitado a uma área. Somos tradicionalmente uma empresa alemã mas não fazemos livros só para a Alemanha. Fazemos livros que tenham um mercado mundial. Esse é o nosso objectivo. É por isso que conseguimos fazer os preços que fazemos. Nós não fazemos livros especiais para um mercado. Tentamos abranger temas que tenham um impacto e que possam ser vendidos a nível mundial.

Como é que se determina esse mercado mundial? Pergunto porque haverá não um mas vários mercados...
Sim, há vários mercados, mas não há uma fórmula, não há uma receita. Há uma questão de sentimento. É preciso que se saiba que a empresa Taschen é dominada pelo Benedikt Taschen. É o editor e o dono da empresa. Todos os produtos que nós fazemos passam, de uma forma ou de outra, por ele. Por isso é que o nosso programa tem uma certa coerência. Nós temos editores a trabalhar em todas as partes do mundo mas ele é o pólo que dá unidade ao programa. E muito do trabalho que ele faz é precisamente decidir, a partir de um feeling dele, sobre o que é interessante para o público, em todos os países. É evidente que há livros que vendem mais aqui do que ali. No essencial, não produzimos um livro que só vai ter um mercado na China ou na América.

Diz que os livros são baratos mas quem observe o vosso catálogo conclui que se dirige a uma faixa de mercado com um certo poder de compra.
É uma questão interessante porque a Taschen sempre esteve associada a preços muito acessíveis. É assim na Europa e na América. Essa filosofia mantemo-la até hoje. Apesar de termos livros que podem custar mil euros, ou mil dólares, gostamos de pensar, e o nosso público assim o confirma, que quando uma pessoa compra um livro da Taschen que custa mil euros continua a pensar que é uma boa compra. Quando compramos um livro de mil dólares pensamos que tem um valor de dois mil.

Como uma obra de arte...
Exactamente, e essa filosofia mantemo-la desde os livros que custam dez dólares até aos que custam mil. Mas é verdade que nos últimos anos, sobretudo a partir de 1999 quando publicámos aquele livro do Helmut Newton que foi, na altura o maior livro do mundo, descobrimos que há também mercado para estas edições de alta qualidade.

Para coleccionadores...
Sim. Repare, quem comprou um Helmut Newton, em 1999, pagou cerca de mil dólares. Hoje se quiser comprar um Helmut Newton na e-bay não paga menos de doze mil. Há um valor adicionado a estas edições.

Não é uma estratégia de risco? Pode acontecer que o mercado de arte, como já aconteceu no início dos anos noventa, entre em crise com reflexos depois neste tipo de estratégia.
Mas, repare, é evidente que o risco é a nossa profissão. Cada livro que publico é um risco. Lançámos agora um livro que são dois volumes sobre a arquitectura moderna. Esse livro demorou quase cinco anos a desenvolver e foi um investimento de vários milhões de dólares. É um risco associado ao nosso negócio. Esse é um aspecto que nos distingue de outros editores. É evidente que somos uma empresa comercial e que estamos condenados a trabalhar e a fazer lucro. Mas como é uma empresa que, em termos de titularidade, pertence a um homem não há que haver grandes negociações em termos de análise de risco. Se tem a ideia de que é um projecto que se pode fazer, ele põe aí o seu dinheiro, com evidentes riscos. Depois cabe-me a mim fazer com que esse livro encontre o público de forma a compensar esse investimento.

Como é que se encontra esse público?
Repare, a Taschen é uma empresa com 27 anos. Temos um nome, uma rede de clientes que nos suportam e acreditam em nós. Não temos que ir à procura do mercado. Quando se fazem coisas novas tem que se procurar esse mercado. Às vezes não se encontra.

Mas imagino que um livro daquele valor não esteja exposto numa pequena livraria. Vão às galerias de arte?
Sim, vamos às galerias de arte, os livros de arquitectura têm que estar nas escolas e nas universidades, têm que ter uma boa publicidade nos media e nas revistas que têm influência na arquitectura. Nós próprios temos intervenções em termos de marketing e temos uma rede mundial de distribuidores que nos conhecem e que acreditam que esse livro tem um valor.
Nesta área não há o problema de encontrar mercado. É sempre um risco grande porque o livro é caro, são dois volumes com cerca de mil páginas muito bem encadernados, mas estamos sempre muito confiantes.

Começou também a publicar a revista “Manifesto” da [Mostra de Arte Contemporânea de Kassel] Documenta.
A Documenta aproximou-se de nós. Este ano queriam uma distribuição mundial da revista, coisa que o editor alemão não lhes proporcionava. Propuseram-nos a edição em exclusivo de todas as publicações da Documenta, que terminou agora. Foi um grande sucesso para nós. Propusemos colocar a revista em todos os museus que tenham um público para este tipo de publicação e conseguimos fazê-lo em locais onde nunca tinha estado à venda.

Admite fazer essa experiência com outras organizações ligadas à arte?
Nós temos uma tradição de colaborar nessas áreas. Mas, na verdade, livros da Taschen têm que ter as características da Taschen e nem sempre é possível fazer isso com todos estes tipos de organizações. Mas temos algumas experiências. Se alguém vier ter connosco e disser ‘quero que ponham o nome Taschen na capa’, isso nós não fazemos. Temos que ter outra influência no produto e no preço, e tudo isso.

Em Macau, alguma coisa o inspirou?
Por enquanto não, mas observamos o desenvolvimento de Macau com muita curiosidade porque nos últimos anos tem acontecido aqui muita coisa. Não só nos casinos, que são a parte mais visível, mas quem vem aqui como turista, como eu, em termos do movimento, do número de pessoas que se vê na rua, do tipo de lojas, Macau tornou-se muito mais cosmopolita do que era no passado. Não sei se para as pessoas que vivem aqui isso é uma vantagem ou uma desvantagem (risos), mas para uma pessoa que vem do exterior vê-se que aconteceu muita coisa. Provavelmente nos próximos anos vai tornar-se num centro interessante para criar aqui uma empresa.

Consome os livros da Taschen?
Mas claro! Já o fazia antes de ir para a Taschen e continuo a consumir.

O que é para si um bom livro da Taschen?
Boa pergunta! Como consumidor tenho as minhas preferências. Interesso-me muito por fotografia, interesso-me por arte. Um bom livro da Taschen é um livro que tenha uma boa relação preço/qualidade e isso significa que tem um bom texto e fotografias de muita qualidade. Quando me quero informar sobre um artista como Rothko ou Basquiat, eu sei que mesmo naquela série básica de dez euros tenho uma visão desse artista que, a este preço, não encontro em nenhuma editora. É por isso que eu compro esses livros.

Como é que se consegue vender livros assim, como diz, baratos?
Cada vez é mais difícil. Os custos de impressão subiram muito, todos querem direitos de autor, ficaram mais caros. A nossa vantagem é que produzimos estes livros, mais baratos, os publicamos em geral, em doze línguas, e os mais populares em 25 ou 26 línguas. E essa estratégia permite-nos amortizar os custos ao longo tempo.
POR CARLOS PICASSINOS • HOJE MACAU • 6 NOV 2007

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