Por tudo aquilo que é meu

Se pudesse escolher um autor e um livro de entre os já milhares que ocupam as estantes da Bloom escolhia Henri Michaux e o título As Minhas Propriedades. Livro de recortes e pequenas histórias escrito entre 1929 e 1935 e lançado pelas Edições Gallimard, simboliza algo que na elaboração da escrita existe para sempre e não se perde e que o torna uma obra de todo o tempo, do passado e do futuro, desde o cheiro dos dinossauros ao fim do mundo.
Poeta e pintor de génio, Henri Michaux nasceu em 1899 em Namur, na Bélgica, numa família burguesa, e faleceu em 1984, em Paris. Aos 20 anos abandona a escolaridade universitária (era estudante de Medicina) e emprega-se como marujo num veleiro, viajando até às Américas. Um ano depois, porém, devido ao desarmamento mundial dos navios, vê-se obrigado a deixar o mar, regressando «à cidade e às pessoas detestadas», e emprega-se em diversos ofícios e biscates, «medíocres e mediocramente exercidos». Começa a escrever em 1922, na sequência de uma aposta e impulsionado pela leitura dos Cantos de Maldoror; mas não deseja ter de escrever. Em 1941, autor já de uma obra escrita e de uma invulgar obra pictórica, é «revelado» por André Gide numa célebre conferencia proibida, depois editada em livro: Descubramos Henri Michaux. Toda a sua obra tem o cunho de uma marcante originalidade, tendo sido sempre uma investigação pessoal dos processos mentais do indivíduo confrontado com a sua estranha presença no mundo. Os seus livros são poemas, descrições de mundos imaginários, inventários de sonhos e também uma exploração dos infinitos às vezes suscitados por outras substâncias.

Felicidade
Às vezes, num repente, sem causa visível, percorre-me um grande arrepio de felicidade.
Vindo dum centro de mim, tão interior que eu o ignorava, ele leva, embora rodando a extrema velocidade, um tempo considerável a alcançar as minhas extremidades.
Esse arrepio é perfeitamente puro. Por mais extensamente que circule dentro de mim, nunca encontra nenhum órgão inferior, nem qualquer outro, de resto, nem encontra ideias, nem sensações, de tal modo é absoluta a sua intimidade.
E tanto Ele como eu estamos perfeitamente sós.
Talvez que, percorrendo todas as partes de mim, ele me pergunte à passagem: «Então, como vai isso? Posso fazer alguma coisa por si, neste sítio?» É possível. E que à sua maneira me console as entranhas. Mas eu não sou posto ao corrente.
Eu gostaria de proclamar a minha felicidade, mas que dizer? É uma coisa tão estritamente pessoal.
Dentro em pouco, o prazer é demasiado intenso. Sem eu dar por isso, no espaço de segundos, torna-se um sofrimento atroz, um assassinato.
A paralisia! digo cá para mim.
Faço depressa alguns movimentos, rego-me com muita água ou, mais simplesmente, deito-me de barriga para baixo, e a coisa passa.
«Para além e para aquém da lógica - seja como for, a frase é uma metáfora - obras como As Minhas Propriedades continuam sem igual na literatura do nosso tempo, vendo-se, quase inexplicavelmente, prenhes de alarme, de fatalidade, de pressão.»
JORGE LUIS BORGES

É um título da Fenda Edições, representada e distribuída pela Editora 90 Graus, e que se encontra na Bloom a imaginar outras coisas. A imaginar um mundo imenso onde o tempo está mal assinalado. A seu lado está também Equador, perdido nos trópicos, outra obra do grande Michaux a não perder.

As Minhas Propriedades, de Henri Michaux • FENDA EDIÇÕES

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