Ver-te livre de mim

Em traduções exemplares assinadas por Diogo Dória e Miguel Cintra, dois dos maiores actores e encenadores portugueses, Beckett apresenta quatro peças breves mas incontornáveis: Passos; Aquela Vez; Cadeira de Baloiço e Fragmento de Teatro I.
Samuel Beckett um dos grandes nomes da dramaturgia contemporânea. Nascido em Foxrock, uma pequena localidade perto de Dublin, a 13 de Abril de 1906. Foi criado numa família protestante de classe média, e frequentou a lendária Port Royal School. Aos 17, Beckettt descobriu Dante que mais tarde se tornará na imagem de referência literária. Ao mostrar boas notas a Francês e em Italiano, no Trinity College Dublin, ganhou uma avultada bolsa de estudo para estudar em Paris. Também foi nestes primeiros anos da faculdade que Beckett teve as suas primeiras experiências amorosas. Quando não estudava, frequentava os locais da sociedade literária Parisiense, onde conheceu importantes figuras e fez verdadeiros amigos como James Joyce (que mais tarde empregou Beckettt como secretário). Depois de se formar trabalhou como professor num liceu na Irlanda, o que o levou de volta ao Continente (1931), onde viveu sozinho, após a morte do pai, e em condições miseráveis, com a ajuda de uma pequena pensão. Durante esse tempo, lia intensamente, visitou numerosas galerias de arte, submeteu-se a um tratamento psicológico intensivo em Londres, bebia, frequentava a prostituição ocasional e a companhia de amigos literários e artísticos, que mais tarde seriam os instrumentos para trazer o seu trabalho ao público. Continuou a escrever mas tinha dificuldade em manter um emprego na área das letras, embora tenha conseguido completar uma colecção de histórias, More Pricks Than Kicks (1934), que foram publicadas mais tarde, aos 28 anos, com pouco sucesso de vendas. Meados dos anos 30, escreveu Murphy (1938), onde mostra a influência de Joyce, e ao mesmo tempo exibe as suas compressões estilísticas que se tornariam na sua imagem de marca.
Beckett apaixonou-se pela cultura Germânica, e nos finais dos anos 30, visita a Alemanha Nazi. Em 1939 conheceu Suzanne Dechevaux-Dumesnil, uma mulher 6 anos mais velha, com talento musical, inclinações literárias, paixão pelo teatro… mais tarde seria a sua esposa. A Alemanha invadia Paris em 1940, levando Beckett a juntar-se à Resistence como tradutor e fugir para o país onde trabalhou em vinhas. Para manter a sua sanidade durante a Guerra, escreveu Watt– última etapa da sua maturidade estilística. Depois da Guerra trabalhou num Hospital e voltou para Paris com Suzanne onde passou sérias dificuldades financeiras. Durante este período de pobreza e privação nos finais dos anos 40, Beckett começou a escrever em Francês, para evitar os exageros estilísticos que o Inglês lhe permitia fazer, e assim obter mais disciplina e economia de expressão. Nesta fase experimentou uma nova forma literária: o teatro. Beckett escreveu os seus melhores trabalhos nos anos 50, incluindo Waiting for Godot (1952), a trilogia, Molloy, Malone Dies (1951), e Unnamable (1953). Godot levou 2 anos até encontrar um editor e um teatro dispostos a produzi-lo. Após um início atribulado, a peça teve forte aceitação por parte da crítica Parisiense e mais tarde obteve fama a nível mundial. Nesta fase de prosperidade morre a sua mãe (1950) e o seu irmão (1954), e Beckettt entra numa fase de interrogação, canalizando essa energia para escrever mais peças de teatro: Endgame (1958), Happy Days (1961) e Play (1963). Beckett usou o dinheiro para construir uma casa em França, perto de Ussy. Começou a ganhar vários prémios, incluindo o Prémio Nobel da Literatura, em 1969, e para evitar as atenções, o casal fugiu para Portugal. A notoriedade mundial causava-lhes muita angústia! A obra de Beckett, de uma sobriedade de meios e de uma grande concentração metafórica, revela uma visão profundamente pessimista do homem actual. Continuou a escrever pelos anos 60 e 70, e nos anos 80 a sua energia criativa perdeu força, e sua saúde acabou por levá-lo para um lar de terceira idade. Morreu em Paris a 22 de Dezembro de 1989.

A
Lucas talvez a loucura do lucas o bocado de uma torre ainda de pé o resto só cascalho e urtigas onde foi que dormiste nenhuns amigos nenhumas casas talvez aquele pardieiro sobre o mar onde tu não aí ela estava contigo uma única noite seja como for saltaste do barco uma manhã e voltaste na seguinte para ver se ainda lá estavam as ruínas onde nunca ninguém vinha onde em menino te escondias te escapulias quando ninguém estava a ver e te ias esconder ali todo o dia em cima de uma pedra no meio das urtigas com o teu livro de imagens

C
até que levantavas a cabeça e ali diante dos teus olhos que voltavas a abrir um grande óleo negro de velho ou até uma criança um jovem príncipe ou uma princesa quaisquer de sangue negro de velho atrás do vidro ou a pouco e pouco diante dos teus olhos à força de quereres ver a pouco e pouco aparecia uma cara nem mais que te fazia girar sobre a laje para veres quem era que estava ali ao teu lado

B
em cima da pedra ao sol a fitar as searas ou o céu ou de olhos fechados não havia nada para ver até perder de vista a não ser searas a ficarem loiras e o céu azul de vez em quando a jurarem que se amavam só um murmurio lágrimas garantidas antes que se cassem todas para sempre de repente ali no meio de fosse que pensamentos estivesses a ter de fosse que cenas talvez coisas antigas de infância ou no ventre da mãe pior que tudo ou aquele velho chinês muito antes de cristo que nasceu com longos cabelos brancos
[SAMUEL BECKETT - PEDAÇO DE 'AQUELA VEZ']

Aquela Vez e Outros Textos, de Samuel Beckett
Tradução de Luís Miguel Cintra e Diogo Dória • Edições Quasi • Num Ano Qualquer
[Há muito mais Beckett na Bloom para o caso de este não lhe chegar...]

0 Comments:

Post a Comment





Copyright 2006| Templates by GeckoandFly modified and converted to Blogger XNL by Blogcrowds and tuned by Bloom * Creative Network.
No part of the content of the blog may be reproduced without notice and the mention of its source and the associated link. Thank you.