Corpo em Goudy Sans, rodapés em Flama

A parte inicial deste livro versa sobre um tema que só poderei resumir como o divino e o humano, dado que tenta pensar o vínculo entre as duas coisas. A segunda centra-se em aspectos do Estado contemporâneo. Os dois primeiros capítulos deverão ser entendidos como prólogo e introdução, uma vez que apresentam o ponto de vista e os assuntos, respectivamente. Por último, a título de apêndice, figuram dois textos que originalmente estavam na primeira secção, mas que têm mais densidade conceptual e parecem recomendados para filósofos no sentido rigoroso do termo.
Assim exposto, o propósito pressagia uma seriedade de tratamento que - infelizmente - não encontro ao relê-lo. Como também não encontro incoerências muitos ostensivas, entrego-o ao destino genérico das reflexões escritas, que é semelhante ao das garrafas lançadas ao mar com uma mensagem. Alguém poderá encontrá-la nalguma margem, e ao tirar a rolha dar-se conta de que a mensagem é outra vez um mapa, com indicações relativas a paisagens imprecisamente traçadas à força de quotidianidade ou de estranheza.
Após decénios a cultivar a focagem sistemática para os temas, parto aqui de um princípio que está mais próximo da simples amostra. As experiências são incomparavelmente mais valiosas que as advertências, e embora estejam ordenadas por capítulos, cada uma é a forma ou a totalidade em si mesma, entendendo-se por isso algo que ultrapasse a soma das suas partes.
Em traços largos, acrescentarei que estas páginas têm a intenção de reflectir acerca da banalidade, uma questão pouco banal se decidirmos encará-la de frente. No fragor do mundo mecânico também se manifesta o que assenta através da alteração.
Este é uma espécie de aviso que inicia o livro de Antonio Escohotado, O Espírito da Comédia. É um pedaço de escrita plurifacetado que podia ensaiar uma série de outros temas dentro dele. Mas é de comédia de que fala o livro. Não em teatros, cinemas ou écrans de televisão, mas na vida pública e quotidiana, desde o discurso do primeiro-ministro aos melodramas policiais que dominam as notícias. De facto, com o declínio do género cómico proprimente dito, atingiu-se o auge da farsa moderna: o lucro transformou o ridículo em respeitável modo de vida, pois a possibilidade de ser foi substituída pela necessidade de ter.
O Espírito da Comédia é, em traços largos, uma reflexão acerca da banalidade, usando o autor como referências Aristóteles, Jünger, Castaneda e Cristo. Centrando-se em aspectos do Estado contemporâneo, a obra analisa ainda a ideia do Controlo sob a perspectiva dos respectivos princípios, ritos, colaboradores e valores supremos. O negócio do medo, os equívocos entre autodeterminação e terrorismo, contam-se entre os temas principais.
Este livro recebeu o XIX Prémio Anagrama de Ensaio em 1991.

Antonio Escohotado
é um autor heterodoxo, inclassificável. Professor de Direito, Filosofia e Sociologia em Madrid, que lecciona alternadamente. É um especialista em drogas e substâncias proibidas, com inúmeras obras sobre o tema. É anti-proibicionista, mas as suas posições políticas situam-no ambiguamente no centro-direita, com um discurso algo perturbador sobre a política de emigração da Europa e do Ocidente em geral. É no entanto autor de uma obra ampla e diversificada com especial incidência em questões filosóficas, destacando-se igualmente enquanto pensador político cuja conhecida irreverência, ou atitude contestatária, ocupa uma posição ímpar no panorama espanhol.

O Espírito da Comédia, de Antonio Escohotado • ANTÍGONA

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