Caro Sr. Primeiro-ministro,
[Carta publicada no Jornal Hoje Macau aquando da visita a Macau do Engenheiro José Sócrates, nos dias 2 e 3 de Fevereiro de 2007]
É assim que deve ser. Simples. O rasto que as palavras de um jornal deixam entre quem as escreve e o seu leitor. À sua frente e na oportunidade de lhe falar e de ser claro, penso em demasiados assuntos que no fundo, de tão misturados, vão delinear coisa nenhuma. É também assim o mundo que temos perante nós, ainda debaixo dos pés. Uma desordem e um embaraço. Acreditar nele, acreditar nas pessoas que o compõem. Dar valor aos seus dirigentes. É de todo um exercício de complexa dificuldade. Haverá diferença entre a telenovela do fim da tarde e o que vivemos no dia-a-dia? O que se vê? E nisto digo entre o estar numa face ou na outra. No lado de cá da tela ou no lado de lá, da ficção, do sonho, do planeta. Do pesadelo? Não se conhece na verdade todo o seu limite, o rosto e a margem que separa e determina todos estes opostos. Ou o logos, que veste toda razão com os seus princípios de inteligibilidade.
Isto são expressões que não pretendia usar e que tornam a língua acre. E no tumulto remonto a uma mistura de saudade com inconformismo e pergunto de novo haverá alguma importância nisso?
Aqui, terra de jogo. De facilidades. Nunca fez tanto sentido a expressão “a árvore das patacas”. Aconteceu em épocas passadas, a corrida ao mesmo Ouro. É apenas uma sequela com outras legendas. Mas cada um vive no seu iraque particular onde o farol é mais a intuição do que a lógica do raciocínio. The world wide web. Que ao sacudir-se das águas se deforma e se mítífica na expressão de um espelho e nessa altura não há nada a fazer, o ecrã já não se desliga.
Conversa da treta, Sr. Primeiro Ministro. O que lhe queria na verdade dizer, sem lhe falar em concreto da gente do seu País que por cá navega, que não tem unidade, talvez seja discorrer acerca do conforto da distância. Do tempo das deslocações. Que me coloca como Estrangeiro ao regressar a qualquer ponto de partida. É um estado híbrido sem identidade em que o pasmo de ficar se sobrepõe à vontade de ir. Uma sensação boa, de zapping. E quanto mais distante melhor, digo-lhe eu, mais se alonga a perspectiva.
Se por vezes me dá a sensação que somos nós, os do sofá, os únicos a ter verdadeiro amor aos desígnios desta terra, sem significado em número mas de importância no espectro social e urbano da cidade, sei que o existir cai para lado nenhum e que nessa inclinação se estende para todos em simultâneo. É essa a natureza que nos encosta a este nicho do mercado e que nos sugere o desejo de resistência. A quê? A coisas más. Aos opostos mundos trocados. Que em informar desinformam. Reflectidos no espantalho dessa coisa que se chama imaginação.
É uma vontade enorme de voltar a ser dinossauro, digo-lhe.
De si? Fale-nos que do passado, do Espaço 1999, se vai começar de novo. Do zero. Sem influência mas com mérito. Que no seu degrau que lhe confere importância fulcral no assumo das decisões. Não por aqui, nem pelo País, mas pelo Mundo. Se erga e faça por nós todos, que temos ainda o chão por baixo. A Vida. O Regresso. A Diferença. De quem está e de quem foi. E que se ultrapasse para lá de qualquer sonho.
E o que fica da sua passagem por Macau? Fica este abraço que lhe envio e o papel que lhe deixo aqui nas suas mãos para que não se esqueça, para lhe dar alguma lembrança, e um domicílio, do que há para fazer.
E rien ne vas plus.
Com muita estima,
António Faisão, Fotógrafo
Bookmarkers: Buenos Aires, Contos/ Short Stories, Português, Vida / Life, Vision
E assinaste com esse nome? ;-p