Roubado a uma outra vida

Na fotografia estão oito pessoas e ainda as mãos de uma outra. O Chefe, ao fundo da mesa, entre-olha uma mulher que está na segunda cadeira ao seu lado direito. Toda a imagem sofre de uma tonalidade verde-azulada, indicação de um balanço de brancos deficiente. Indicação de que tudo está um bocado errado nesta terra.
Em primeiro plano, à esquerda, está outra mulher de cabelo curto que reivindica essa mesma deficiência de cor. O tom do seu penteado vai do azul ao amarelo, tocando com força no castanho. Tem as mãos no colo, uma aperta a outra deixando um dos mindinhos de fora. Olha para a esquerda para o outro lado da mesa, em olhar cruzado, possivelmente para a pessoa de quem só se vislumbram as mãos.
Por detrás do Chefe, na parede, há um reflexo que fugiu do tecto, através do flash, levado por uma decoração em vidro que estraga qualquer noção de equílibrio nesta sala. A grande angular da lente encarregou-se do resto. Os cantos estão retorcidos, a linha do horizonte descaída, e a mulher do cabelo colorido tem uma cabeça do tamanho do mundo inteiro. A isto chama-se deformação de vista. Mas não é nada que um editor de imagem não deixe de resolver.
Transformo tudo. Os cantos ficam à solta, puxo os dois em baixo e as linhas verticais endireitam-se e tornam-se paralelas. Lá ao longe retiro o reflexo por detrás do chefe. E dou-lhe mais luz. Destruo a saturação dos amarelos. Dou vida aos pretos e por fim foco o que ficou por focar.
As oito pessoas estão mais sorridentes e assim o soslaio do Chefe fica mais nobre.

2 Comments:

  1. Anonymous said...
    É um exercício de imaginação? ;-)
    antónio said...
    Não, é a reposição de um acontecimento.

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