Ao mergulhar abrir os olhos dentro da parede

O mundo, em especial o mundo urbano, reino de delírio e alucinação onde a luz das imagens sobrepostas provoca cegueira, tornou-se estetizado, e esta estetização resulta numa forma de anestesia, diminuindo consequentemente a nossa capacidade crítica. Neil Leach, professor de Teoria da Arquitectura, parte desta evidência para fazer o ponto da situação no limiar de um novo século, usando a arquitectura enquanto objecto exemplificativo da sua tese. Com efeito, a arquitectura encontra-se potencialmente comprometida com a estética, com a aura de fantasia da imagem, e os arquitectos são particularmente sensíveis a uma estética que fetichiza a imagem efémera. Neste mundo embriagante e obcecado da imagem, onde todos passamos a maior parte do tempo no interior de criações arquitectónicas, a estética da arquitectura ameaça transformar-se na anestética da arquitectura.

Neil Leach parte das ideias de Walter Benjamin, estendendo-se a autores como Jean Baudrillard e Guy Debord, para desenvolver uma nova crítica, fortemente incisiva, às consequências da crescente preocupação com as imagens e a sua produção na cultura arquitectónica contemporânea. Na actual cultura do consumo estético, uma «cultura do cocktail», os discursos significativos dão lugar a estratégias de sedução, e o design arquitectónico fica reduzido ao jogo superficial de formas de sedução vazias.

Pegando na história da arquitectura portuguesa no século XX, principalmente para a metade primeira, assistimos a um bom exemplo desta incapacidade de tratamento, em profundidade, do que de fora se vai podendo ver ou saber que existe. A capacidade com que um mesmo arquitecto fazia ao moderno ou outro estilo qualquer, consoante programa da encomenda e encomendador, era, não só papável, como assumido por alguns. Este ecletismo tardio terminou? Ou será que sofreu um abrandamento com as décadas de 1950 e 1960 e voltou a estar presente desde essa altura?
A falta de linhas de força reflexivas, teóricas e históricas, a superficialidade com que tantas vezes o lado da arquitectura como conhecimento foi encarado, alimentam em enumeras situações uma considerável superficialidade da arquitectura portuguesa. Nesse sentido, perfeitamente coerente com muito do que se passa no resto do mundo que tem poder económico para construir Arquitectura. Que se estende ao exemplo bem vivo de Macau.
A resposta mais madura chegará quando se consiga estar olhos nos olhos com qualquer tipo de produção arquitectónica, mediática ou não, e se souber dela ler as linhas de força que lhe dão especificidade. Os brilhos, só por si, são mais anestesiantes do que matéria prima do trabalho que é necessário fazer à volta e de dentro da arquitectura. Talvez o bom senso não seja uma atitude a secundarizar.
[TEXTO DAQUI E DALI]

A Anestética da Arquitectura, de Neil Leach • ANTÍGONA • SET 2005

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