Para preparar Abril, que é quase sempre

A possibilidade de acesso à obra de um artista é a condição “material” para que ele nos seja presente; a publicação deste livro volta a permitir a descoberta do poeta José Afonso. A alteração mais importante que surge nesta edição reside numa nova sequência dos textos não musicados, e corresponde assim também ao desejo de José Afonso de ver publicada a sua obra poética de uma forma cronologicamente tão rigorosa quanto possível. Infelizmente, nem sempre pude corresponder a esse desiderato de forma indesmentível, já que o autor raramente datava os seus textos, e também porque, com a morte de Santos Barros, a identificação temporal dos poemas escritos entre Março e Agosto de 1981 (cerca de metade do corpus não musicado) se tornou impossível devido à sua dispersão no volume que aquele organizou. Mas o confronto com edições mais antigas dos textos de José Afonso, especialmente as coordenadas por Viale Moutinho (José Afonso, 1972 e 1975), em que são publicados poemas não musicados, bem como a datação de alguns textos, permitiram chegar a um critério cronológico fiável.
'Textos e Canções', é uma compilação da obra poética de José Afonso organizada por Elfriede Engelmayer que nos presenteia, não só com os poemas que nos povoam o imaginário colectivo das Canções de Intervenção, mas com tantos outros textos/poemas 'não musicados' e, por isso desconhecidos.

A Selva É Aqui

A selva é aqui
podada ajardinada
por um passado de justas
e torneios
Do bloqueio safou-se
o cantineiro e o eremita
o primeiro num trilho de savana
o segundo na Arrábida
que a seu modo disseram aqui estamos
p'ráqui estamos
venceu-nos a pelagra
Dias e dias de jejuns e medos
mas também de maus tratos da mercancia
e a cabeça do rei sempre acenava
que sim que sim
que a terra ainda ali estava
A pimenta picava-te na língua
marinheiro de sóis
cortado à flor da idade
nem raspas do camelo
só o pelo
e um rasto de naufrágios de bravatas
de mouros de gentios
em cascatas
Por estes crimes tu só te bordaste
ou a tua noiva ou lá quem lá deixaste
teus filhos tuas trevas noite escura
um livro de memórias que inda dura.

ZECA AFONSO PARA A PEÇA 'FERNÃO, MENTES?', DE HÉLDER COSTA
Textos e Canções, de José Afonso • RELÓGIO D'ÁGUA

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