No final da manhã, conquistado o Terreiro do Paço pelos revoltosos, encontrar-se-á em cima de um "palanque apropriado" que o capitão Salgueiro Maia lhes oferecera, a si e a meia dúzia de outros companheiros privilegiados, para que não perdessem "pitada da operação militar.
É aí, do meio de uma coluna blindada, em pé num Unimog transformado em "verdadeira tribuna ambulante e ao vivo", que Carlos Gil testemunha e dá testemunho, em dezenas e dezenas de fotografias, do "primeiro acto de explosão popular do 25 de Abril". Quando vê correr na sua direcção "de cada canto, primeiro dois, três, vinte, agora cem, mil... uma multidão" de cidadãos que "como formigas" avançavam aos gritos para saudar "soldados e jornalistas".
"Do alto do Unimog", o fotógrafo lança o olhar e a lente da máquina sobre o formigueiro que engrossava por toda a Praça do Comércio, e recorda imagens idênticas "vistas clandestinamente em filmes de Eisenstein, rodados na Praça Vermelha de Moscovo". A multidão acompanha a coluna até ao Rossio, sobe com ela até ao Largo do Carmo, incita-a nas longas horas do cerco, aplaude Maia e Spínola, corre à Rua António Maria Cardoso a vaiar a PIDE, ruma, sem sono, até Caxias para receber os presos políticos.
De cada momento a máquina de Carlos Gil fixa a luminosidade, regista a temperatura humana. É, para o fotógrafo e para o cidadão, "o início de uma longa caminhada". Que cidadão e fotógrafo hão-de fazer juntos, até ao último dia de vida, afinal bem curta como mais uma vez aconteceu a quem os deuses amam.
[POR ADELINO GOMES]
SOBRE O AUTOR
Para Carlos Gil o teatro foi a sua paixão, antes de se profissionalizar noutra área distinta. Em 1968 trocou Direito (frequentava o 4.º ano da licenciatura) pelo jornalismo, entrando para A Capital, onde se iniciou, mais tarde, como fotojornalista.
O 25 de Abril encontrou-o na revista Flama, onde se manteve até 1977, ao mesmo tempo que ensaiava colaborações na imprensa portuguesa e estrangeira. Além desta revista e daquele diário diversos jornais portugueses e estrangeiros publicaram os seus textos e fotografias. De 1990 a 2001 (o ano da sua morte) Carlos Gil foi editor fotográfico da revista Tempo-Livre .
Colaborou em televisões e jornais com crónicas sobre a guerra do Golfo e as eleições de 1995 no Iraque (RTP, TSF e SIC) e o 10.º aniversário do 25 de Abril (guião e entrevistas para a Radiotelevisão Belga). Tem fotos publicadas em diversas obras de referência.
Um Fotógrafo na Revolução, de Carlos Gil • EDITORIAL CAMINHO
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