É e não é

Nascido numa pequena vila próximo a Paris, Jean Cocteau foi um dos mais talentosos artistas do século XX. Além de ser realizador de cinema, foi poeta, escritor, pintor, dramaturgo, cenógrafo e actor e escultor. Cocteau começou a escrever aos dez anos. Aos dezesseis já publicava as suas primeiras poesias. A sua principal obra de poesia é o livro Clair-obscur, editado em 1954.
Cocteau [1889-1963] viveu ao contrário da invisibilidade. Foi tão fotografado como Dalí ou Picasso, teve o seu rosto tão conhecido como o dos actores. Nas convivências mundanas encantava; encenava um jogo de mãos para cercar tudo de frases que não esqueciam a exibição de uma inteligência vertida em palavras com posições novas ou já esquecidas do seu sentido.
Os seus talentos — na escrita, no desenho, no cinema — apontavam ao despeito acusações de artifício, de brilhantismo enfeitado pelas facilidades do salão. Mas a sua rédea segura vencia. Era capaz de surgir moderno embora fiel às lições de Malherbe; de não recusar a prestidigitação se ela lhe garantisse um brilho de prosa. O desejo de uma modernidade clássica agarrou-o às mitologias e inscreveu nelas a explicação dos desesperos do seu tempo. Apareceu, com isto, sumptuoso e heteróclito.
O tempo de Cocteau deixou-o em suspenso. E longe do seu tumulto vai construindo outro, que é o tempo da sua visão — invisível, como ele a queria por uma questão de elegância.

Parece-me que a invisibilidade é a condição para a elegância. A elegância acaba se for notada. Sendo a poesia a elegância por excelência, não sabe ser invisível. Então, para que serve?, dir-me-eis. Para nada. Quem a vê? Ninguém. O que a não impede de ser um atentado contra o pudor, e apesar de o seu exibicionismo se exercer entre os cegos. Contenta-se em exprimir uma moral particular. Depois, esta moral particular solta-se sob a forma de obra. Exige que a deixem viver a sua vida. Faz-se pretexto para imensos mal-entendidos que se chamam a glória.
A glória é absurda por resultar de um ajuntamento. A multidão cerca um acidente, conta-o a si mesma, inventa-o, perturba-o até se tranformar noutro.
O belo resulta sempre de um acidente. De uma queda brutal entre hábitos adquiridos e hábitos a adquirir. Derrota, nauseia. Chega a causar horror. Quando o novo hábito for adquirido, o acidente deixará de ser acidente. Far-se-á clássico e perderá a virtude de choque. Por isso uma obra nunca é compreendida. É admitida.
Visão Invisível, de Jean Cocteau • ASSÍRIO E ALVIM • DISPONÍVEL NA BLOOM

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