Acordo Ortográfico

Consideram os signatários do Acordo Ortográfico aprovado em Lisboa em 1990, que tal constitui um passo importante para a defesa da unidade essencial da língua portuguesa e para o seu prestígio internacional. Parece-me que unidade essencial já existe há muito tempo. Falamos todos português e entendemo-nos. É desnecessário um acordo internacional para um corpo do português essencial. Não consta que ingleses e espanhóis tenham promovido acordos para o mesmo. Nas bases do acordo (são vinte e uma), logo na primeira em vez de se fixar o nome das letras (Base I, n§ 2), vem estipulado que “os nomes das letras acima sugeridos (do alfabeto) não excluem outros formas de as designar. Depois, fala-se do critério etimológico para manter o “h” inicial quando este não se pronuncia (homem, humor), mas o mesmo critério é utilizado para eliminar o “c” e o “p” quando este é mudo, esquecendo-se que em Portugal e nos PALOP, essas consoantes são essenciais para se assegurar uma pronúncia correcta pois abre a vogal que a antecede (Baptista/Batista, Neptuno/Netuno, adopção/adoção, etc). Na Base IV (sequências consonânticas), conservam-se ou eliminam-se facultativamente o “c” e o “b”, quando a pronúncia oscila entre a prolação e o emudecimento : aspecto/aspeto, cacto/cato, dicção/dição, caracteres/carateres, facto/fato; subtil/sutil, subdito/sudito, ou também o “g” e o “m” (da sequência mn), amígdala/amídala, amnistia/anistia, indemnizar/indenizar, o que leva a que a maneira de pronunciar de cada um é que determina a grafia, além de outras facultatividades como por exemplo, a escolha na aplicação do acento agudo em determinadas formas verbais (Base IX), e assim não se alcance unidade nenhuma.
Mas há outras coisas incompreensíveis como por exemplo na Base X, quando se diz que as palavras bainha, moinho ou rainha, não levam acento agudo e a vogal “i” forma sílaba com a consoante seguinte (in). Quanto ao prestígio internacional da língua, não é um acordo ortográfico que lhe confere prestígio internacional, mas sim a exigência do seu ensino com base nos grandes autores de língua portuguesa e nos clássicos, da excelência dos seus programas de licenciatura, mestrado e doutoramento, e na criação de condições para o aparecimento de trabalhos de tradução para as principais línguas internacionais dos autores clássicos e contemporâneos de língua portuguesa.
Mas os que estão contra este acordo ortográfico referem outras preocupações, de entre elas as de razões geoestratégicas, uma vez que os PALOP seguem a grafia portuguesa no que resulta na criação de laços estreitos a nível politico, educacional, linguístico, cultural, científico e académico; comerciais, pela perda de um grande número de exportações através da Porto e da Texto Editora, editoras responsáveis pela produção dos manuais e livros para o ensino básico e secundário desses países, as quais serão confrontadas a breve prazo com os grandes grupos editoriais brasileiros que nada têm a alterar na grafia dos seus livros, para não falar na desvantagem que agora seria de mudar programas de ensino em países que por razões políticas só recentemente começaram a ter alguma estabilidade social e daí alguma sustentabilidade na prossecução de interesses primários e secundários na educação e no ensino das populações, mas que economicamente não conseguiriam suportar prejuízos a este nível. Por outro lado, a unidade e diversidade da língua não passa pela questão ortográfica, nem a fonética diferente da grafia é razão de dificuldade de ensino da língua. O que está em causa são as relações da grafia com a etimologia e com a pronúncia. A nível nacional isso teria reflexos psicológicos e sociais, com um país a ter de aprender a escrever de novo; Na inutilização de livros e manuais escolares, legislação, papel timbrado oficial, letreiros, etc. Não vejo onde interpretar-se disto coisas como “enraizado sentimento imperial”, Estado Novo”, nacionalismos, e coisas no género. Como advoga Graça Moura, com quem estou de acordo nestas posições contra o Acordo Ortográfico, face ao presente estado de coisas, uma solução razoável seria corrigir as deficiências do texto e admitir como igualmente legítimas as grafias divergentes em todos os espaços do português falado, que passariam a figurar nos dicionários e vocabulários.
[PUBLICADO NO JTM • 8 ABR 2008]

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