Fala comigo e desperta-me

Estamos no Verão de 1957, em Agosto, na cidade de Hiroxima. Uma actriz francesa está na cidade para interpretar um filme sobre a Paz. A história começa na véspera do seu regresso a França, quando encontra um japonês, arquitecto ou engenheiro, com quem tem uma breve ligação amorosa. Hiroxima Meu Amor (1960) é o texto que Marguerite Duras escreveu para o filme de Alain Resnais.
Deitados, nus, numa cama de hotel, o casal fala sobre Hiroxima. "Tu não viste nada em Hiroxima, nada" - é a primeira frase do texto. Duras: "Para mim, isso quer dizer "não verás nunca nada, não escreverás nada, não poderás nunca dizer nada sobre este acontecimento". Foi a partir da impotência em falar da coisa que se fez um filme. As condições deste encontro nunca serão esclarecidas. São apenas dois quotidianos que se juntam por momentos. Um par unido por acaso e que se ergue pelo meio das outras relações destruídas pela Guerra. Por onde se obrservam corpos mutilados cobertos por cinzas de amor ou agonia. As sobras da nuvem atómica que despertam sempre um último desejo e que não deixam, apesar de tudo, fugir o afecto. O espaço com as marcas da sua destruição mas que acabou por sobreviver e continuar de pé, com os seus habitantes que deambulam nos restos desse tormento que caiu do céu. A cidade que se vai alternando com a vida particular destas duas personagens.
Depois da morte há sempre vida a seguir. Existe ainda um caminho, uma ligação para outra possibilidade de existência. Não acaba ali o fim. Como as vidas que se amam não acabam quando se deixam de amar. Apaga-se apenas a chama. Por todo o mundo as pessoas se encontram e se afastam, o que importa é o que se segue ao despertar de um novo quotidiano. O que se forma por detrás dessa moldura. Por entre diálogos alegóricos que se evocam numa cama de hotel. Sempre com o torpor da partida e da separação à vista. O eco do horror da guerra, que não tem perdão. E por fim um novo começo. Uma nova história.
Para Duras, o indizível, o horror, é Hiroxima, como é o Holocausto. É toda a dor do mundo. E isso não se pode dizer de nenhuma outra forma a não ser através do descolorido das imagens.
Este é um pequeno livro de onde partiu todo esse desafio. Uma partitura de amor e guerra.

SOBRE A AUTORA
Marguerite Duras nasceu, em 1914, em Gia Dinh na antiga Indochina Francesa, onde passou a infância e a adolescência. Iria ficar profundamente marcada pela paisagem e pela vida da antiga colónia francesa. Em 1932, fixou-se em Paris, onde estudou Direito, Matemática e Ciências Políticas. Após o armistício ingressou no Partido Comunista Francês, de que foi expulsa, em 1950, por dissidências ideológicas. Formada sob a influência da moderna narrativa norte-americana, e sobretudo de Hemingway, obteve renome internacional com a publicação de Un barrage contre le Pacifique (1950), cuja acção decorre na Indochina. Seguem-se outros romances, de que se destacam Le Square (1955), em que a autora envereda por uma técnica de narração que virá a ser uma característica dominante do seu ficcionismo e que a associou ao movimento do nouveau roman . Autora de peças de teatro e de vários filmes, foi o seu romance O Amante, relato exacerbado de uma paixão na adolescência inquieta da escritora, que a tornou conhecida de um público vastíssimo, até aí arredado de uma obra considerada, por vezes, demasiado difícil e intimista. Foi sobretudo uma mulher voraz de uma literatura que é um grito de amor ao longo de todas as páginas.
[TEXTO DE CÁ E DE LÁ • BIOGRAFIA RETIRADA DO LEME]

Hiroxima Meu Amor, de Marguerite Duras • QUETZAL EDITORES • 2002

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