As pessoas apreciam ou detestam o calão porque acham que calão significa ordinarice. Mas o calão não é necessariamente ordinário também inclui linguagens coloquiais ou léxicos de comunidades estanques. O calão é muitíssimo valioso porque representa um alargamento do idioma. É um extraordinário elemento para a vitalidade e expressividade de uma língua. Digam o que disserem, há palavras de calão que não têm nenhum termo socialmente aceitável que seja mais adequado, mais colado ao sentimento da palavra e da situação que descreve. Digam o que disserem, "fornicar" é que é uma palavra inaceitável, e não as suas muitas e excelentes alternativas.
Miguel Esteves Cardoso escreveu uma vez (cito de memória) que um estrangeiro bem pode procurar num dicionário português entre as palavras "caralete" e "caramanchão", entre as palavras "comutável" e "conação", que não encontra nadinha. Não encontra a linguagem que ouve nas nossas ruas, ao anoitecer. É que os nossos dicionários são puritanos e exercem uma estúpida censura moral sobre certas palavras. É também por isso que os dicionários de calão são preciosos porque registam etimologias e significados e ainda nos fazem descobrir termos arcaicos, restritos, deliciosos, alguns dos quais têm ainda uso corrente no Brasil. E há também regionalismos, adolescentismos, neologismos e linguagens marginais.
É o que acontece no Novo Dicionário do Calão de Afonso Praça (Casa das Letras). Praça morreu em 2001, pouco depois da 1ª edição deste dicionário, que agora aparece em terceira edição, actualizada, pela mão de Cláudia Almeida, Pedro Dias de Almeida e Rodrigo Dias. Este não é o único dicionário do género disponível nas livrarias (há o de Eurico Nobre, entre outros), mas é talvez o mais ágil e atento, e o que tem abonações mais inteligentes. De coisas inócuas a grandes javardices, o Dicionário é uma lição de língua portuguesa. Enumera quinhentas palavras e expressões que conhecemos mas também tem achados como "maurício" (regionalismo para pénis), "pantafaçudo" (indivíduo muito importante), "laustíbia" (bofetada), "trungalhona" (mulher desajeitada), "indrósmina" (bebedeira) e "bandeira inglesa" (menstruação). Essencial.
[POR PEDRO MEXIA NO DN]
Novo Dicionário do Calão de Afonso Praça • CASA DAS LETRAS
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