No Pavilhão Hermann

Thomas Bernhard, um dos escritores mais controversos e mais originais da moderna literatura austríaca, descreve nesta obra de carácter autobiográfico a sua relação de amizade com Paul Wittgenstein, um sobrinho do notável filósofo Ludwig Wittgenstein. O narrador passa em revista alguns dos episódios mais empolgantes ou impressivos dessa amizade e inicia o seu relato num momento repleto de significado, aquele em que ambos se encontram ocasionalmente internados no mesmo hospital de Viena, o narrador no serviço de doenças pulmonares e Paul na unidade de psiquiatria. Cada um levado, portanto, pela enfermidade que o acompanhou durante toda a vida: Thomas Bernhard sofria de uma doença pulmonar, que se foi agravando até à sua morte em 1989; Paul Wittgenstein, espírito brilhante, profundo conhecedor de música e apaixonado pela ópera, era com frequência atacado por perturbações mentais, que obrigavam ao seu internamento num hospital psiquiátrico. Ambos tinham, porém, em comum os interesses artísticos, o prazer da crítica, resultante da observação do mundo que os rodeava, a paixão das conversas de natureza filosófica. Paul, pertencente a uma das famílias mais ricas da Aústria, morreu na miséria, porque “deitou muitos milhões pela janela fora”. E a essa miséria juntou-se, nos seus últimos tempos, a decadência física, de tal modo que o narrador, como ele próprio confessa, já nem tinha coragem para o visitar, “com medo de ser directamente confrontado com a morte”. “Duzentos amigos irão ao meu enterro e tu tens de proferir um elogio fúnebre”, dissera um dia Paul ao amigo. Mas este, que não estava na Aústria quando ele morreu, nem sequer ainda foi, diz no final, “ver a sua sepultura”.
O Sobrinho de Wittgenstein é uma narrativa de grande humanidade, mas ao mesmo tempo plena de ironia, de humor e salpicada de episódios jocosos ou grotescos, aos quais não faltam a crítica acesa e o desassombro provocatório ou sarcástico, no melhor estilo de Thomas Bernhard.

Publicado em 1982, já na última década da vida de Thomas Bernhard, “O Sobrinho de Wittgenstein” é uma das obras em que o escritor se apresenta na sua vertente mais sensível, mais humana e mais emotivamente sincera. O autor relata aqui os momentos mais importantes da sua amizade com Paul Wittgenstein, [...] um homem de grande inteligência e um filósofo como o tio, só com a diferença de que não escreveu a sua filosofia.
É evidente o carácter autobiográfico desta narrativa, mas haverá que ter em conta que as obras autobiográficas de Thomas Bernhard são também essencialmente “literárias”, o que significa que o autor nem sempre respeita ou se preocupa em transmitir a veracidade integral dos factos, mas procura antes fornecer uma imagem que de certo modo para si próprio criou, adaptando mais ou menos a esse objectivo os acontecimentos narrados.
Apesar das dificuldades e privações que sofreu na sua infância e juventude, devido à situação precária da família, Thomas Bernhard pôde usufruir, graças sobretudo ao avô materno, o escritor Johannes Freumbichler, de uma formação musical que se pode considerar pouco vulgar para a sua condição. [...] Para além da manifesta construção rítmica da sua linguagem, há ainda outros aspectos relacionados com a música que caracterizam em especial as suas obras dramáticas e a prosa narrativa. “O Sobrinho de Wittgenstein”, que à primeira vista poderá parecer uma narração caótica, possui na verdade uma estrutura musical semelhante à de um andamento sinfónico, na qual se distingue uma introdução, um desenvolvimento dos temas que vão sendo apresentados e entretecidos de forma subtil e variada e o final como resumo desses temas.
O estilo constitui outro aspecto característico da arte de Thomas Bernhard e representa também uma das facetas mais marcantes de “O Sobrinho de Wittgenstein”. Este estilo tem como um dos seus aspectos mais salientes a repetição, tanto de palavras como de frases e naturalmente também de ideias. Determinadas palavras ou expressões fulcrais tornam-se, por vezes em longos trechos do discurso, de certo modo um eco de si próprias, as frases giram como que em círculo, recapitulando as ideias em inúmeras variações.
Será quase ocioso salientar que este estilo põe inúmeros problemas à tradução, principalmente se atentarmos no facto de as estruturas do português e do alemão serem bastante diferentes, o que faz com que se torne difícil transpor para a nossa língua essa organização repetitiva e musical da linguagem. [da Nota Introdutória de José A. Palma Caetano]
Esta e outras obras de Thomas Bernhard estão disponíveis na BLOOM todos os dias, excepto Terças, das 13:00 às 21:00. Aos Sábados pode terminar o seu pequeno-almoço no Largo do Pagode do Bazar com um livro, a partir das 11.00 da manhã.

O Sobrinho de Wittgenstein de Thomas Bernhard
Assírio e Alvim ISBN: 9723706032 2000

1 Comment:

  1. I said...
    um dos meus livros preferidos

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