As técnicas da tua impressão

O subtítulo não engana: O Pin da Bíblia – Uma Selecção de Textos da Revista Bíblia. Espaço de experimentação por excelência, a revista Bíblia tem sido, desde 1996, um investimento pessoal do poeta Tiago Gomes (n. 1971). O autor de Viola-me Eléctrica (Fenda, 1998), resolveu "comemorar" a entrada nos 10 anos de revista com uma reunião de poemas, prosas, ensaios, entre outros, publicados num projecto que sempre soube aliar em raro equilíbrio o trabalho gráfico às letras. Dos prefácios a cargo de Fernando Aguiar e Eduardo Pitta, cito o carácter de “revista marginal” sublinhado pelo primeiro e o cosmopolitismo e heterodoxia relevados pelo segundo. São 38 os autores representados nesta primeira reunião de textos isolados do ruído gráfico da revista Bíblia – como bem refere Tiago Gomes. Refira-se haver casos em que os textos perdem com isso. No entanto, o saldo é positivo. Pena é o descuido na revisão, que não soube evitar um número demasiado extenso de gralhas. Talvez uma segunda edição possa remediar os deslizes. O caso não parece contudo afectar o gosto que dá ler num mesmo volume a “popesia-Kitsch” de Adília Lopes, as experiências de raiz concreta de Fernando Aguiar, os inteligentes ensaios de Fernando Guerreiro e as pequenas histórias tão nonsense quão cínicas de Rui Zink. Estes são nomes já óbvios aos quais deverão juntar-se os de Gilberto Gouveia ou Patrícia Brito, só para citar dois dos mais interessantes. Logo a abrir, este A UM JOVEM POETA de A. Dasilva O. pode servir, pela clareza e pela capacidade de síntese, de introdução ao ambiente geral que perpassa todo o volume: «Estás fodido / Está tudo escrito / Está tudo dito / Está tudo feito // Ai na página em branco / Só faltam as tuas lágrimas / De sangue / Até ficares grávido / De lucidez. // E os clássicos? / Bom esses / Estão todos fodidos.» (p. 19) A revista Bíblia é um projecto de culto que merece ser acarinhado por várias razões. Desde logo pela saudável obstinação do seu mentor. Mas também pelo tom refractário a tudo o que é modinha, segregação e grupelho sem palmo de terra neste cemitério de letras onde serão enterrados todos os de agora como têm sido todos os de outrora. Não há snobismo nem vaidade estéril nesta Bíblia, não há teoria sem causas nem causas sem teorias. Há acção, há gosto pelo fazer, há atitude. E isso é o mais importante. É nesse sentido que caem tão bem no início os versos supracitados de A. Dasilva O. como escorregam sem espinhas pela goela abaixo os subsequentes de Tiago Gomes: «Alimentar-me de raiva. / Alimentar-me do caos. / Rir de tudo isso. / Do caos, loucura. / Ter a lucidez, tão desejada. / O silêncio. / Numa noite de tormenta. / Tem um gosto estranho, a raiva. / E eu rio em gargalhadas sonoras.» (p. 268) Parabéns à Bíblia e que conte muitos mais. Necessitamos cada vez mais de raridades destas.

A revista Bíblia, no entanto, está a passar por dificuldades financeiras que ameaçam a continuidade do trabalho. É neste sentido que paralelamente lançou diversas actividades paralelas: uma «mega campanha de assinaturas» e convidou todos os leitores para uma «magnífica festa» de verão que se realizou no dia 23 de Junho de 2006, na Casa Conveniente (Cais do Sodré), em Lisboa. Já este ano, em mais um aniversário, a Bíblia festejou-o no Cabaret Maxime, onde a noite foi curta para tantas preces.
Segundo o director da Bíblia, Tiago Gomes, a revista «já publicou mais de seiscentos autores, fez mais de cem lançamentos, debates, apresentações, happenings, por todo o país e estrangeiro, permitindo um espaço de liberdade a todos os leitores e autores que pela Revista têm passado os seus olhos». Contudo, nos últimos anos poucos foram os apoios concedidos à Revista que, por falta de dinheiro, viu-se obrigada a impedir a sua difusão internacional.

Pelo Pin da Bíblia passam 38 autores que representam esta primeira reunião de textos isolados do ruído gráfico da revista. Destaque ainda para as pequenas histórias de José Luís Peixoto, José Miguel Silva e Rui Zink. A revista Bíblia é um projecto de culto que merece ser acarinhado, pela saudável obstinação do seu mentor, mas também pelo tom refractário e pela atitude.
[via MINGUANTE, RASCUNHO e INSÓNIA]

2 Comments:

  1. Anonymous said...
    Um abraço ao Tiago Gomes!
    Anonymous said...
    quero ver o ring joid na biblia!

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