E fica um peso nos ombros

Nuns versos merecidamente famosos, o poeta inglês Philip Larkin carpiu, com uma nostalgia sardónica, o seu anacronismo quanto à revolução erótica da década de 60: "As relações sexuais começaram / Em 1963 (o que foi um bocado tarde para mim) / Entre o fim da proibição de 'O Amante de Lady Chatterley' / E o primeiro LP dos Beatles."

O novo livro de Ian McEwan parte cuidadosamente daquele limiar fatídico: o ano de 1962, a véspera do tsunami psicadélico que iria atropelar o Zeitgeist puritano. Eis o contexto da noite de núpcias de Florence e Edward, num hotel à beira-mar. Profunda e reciprocamente apaixonados, estes universitários sofisticados são ambos virgens como vestais. Enquanto em Edward a inexperiência suscita uma ansiedade prosaica (receia "chegar cedo de mais"), na sua noiva gera uma fobia patológica. Alguém disse um dia que "as inglesas são tão chiques que não têm rabo nem mamas". Florence possui as respectivas convexidades, mas é como se as obliterasse, ou, pelo contrário, as convertesse em mármore.

Na Praia de Chesil - uma novela, não um romance - é uma obra bem mais curta, mas não menor que o título anterior do escritor, o esplêndido Sábado. Uma das ínfimas deficiências técnicas de Sábado era o excesso de dados científicos debitados pela personagem principal, um neurologista. Desta vez, McEwan é menos empírico. Afasta-se também do epigonismo de Expiação, um pastiche - fascinante, é certo - da grande tradição literária vitoriana.

Neste formato compacto, mas com uma densidade de buraco negro, o escritor insinua como as mudanças sociais se repercutem sobre os indivíduos de modo prismático e não mecânico. Assim: "Aquela ainda era a época em que ser jovem era um estorvo social, uma marca de irrelevância, uma situação ligeiramente embaraçosa para a qual o casamento era o início de uma cura." O que hoje - quando a juventude corresponde a um imperativo categórico - parece quase outra era geológica.

É instrutivo reparar como, depois de um longo eclipse, o narrador omnisciente recuperou a sua cidadania. Através dele, é com uma destreza magistral que o autor manipula tanto cronologias como pontos de vista e até a linguagem corporal das personagens. Ao mesmo tempo, esgrime um estonteante virtuosismo nas descrições, quer paisagísticas quer mentais. O caleidoscópio narrativo expõe as mais ténues iridescências espirituais dos protagonistas - incluindo as políticas, como as ilusões quiméricas sobre a pureza messiânica do socialismo real.

Na Praia de Chesil é quase uma comédia de costumes, com um timbre mais agridoce que dramático, mais melancólico que desesperado, entronizando pela enésima vez Ian McEwan como o melhor ficcionista vivo da melhor das literaturas nacionais. Talvez por ele diagnosticar, como nenhum outro dos seus pares, a ontologia da alma inglesa - sobretudo no que esta encerra de esfíngica, esquiva e equívoca.
por PAULO NOGUEIRA / DN

"Na Praia de Chesil", de Ian McEwan.
GRADIVA ● ISBN: 9789896161743 ● EDIÇÃO DE 2007

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