You do it to yourself, you do...

A vida, tal como nós a conhecemos, não é muito parecida com a vida de onde emergiu a nossa tradição filosófica. Platão e Sócrates eram cidadãos de uma pequena e familiar cidade-estado, com critérios de virtude e de gosto publicamente aceites, em que a classe instruída derivava a sua concepção da vida de uma única e incomparável colectânea de poesia, mas na qual outras formas de conhecimento eram raras e preciosas. O reino intelectual ainda não tinha sido dividido em territórios soberanos, e o pensamento era uma aventura que se estendia em todas as direcções, repousando maravilhado diante esses precipícios da mente que nós agora conhecemos por filosofia. Diferente dos grandes atenienses, habitamos um superpovoado mundo de estranhos, do qual os critérios de gosto praticamente desapareceram, em que a classe instruída não retém uma cultura comum e onde o saber tem sido parcelado em especialidades cada uma reivindicando o seu monopólio interesseiro contra as ondas de ideias divergentes. Nada neste mundo está fixo: a vida intelectual é uma vasta comoção, em que uma miríade de vozes se esforça para ser ouvida através do ruído. Mas na medida que aumenta a quantidade de comunicação vai diminuindo a sua qualidade; e o mais significativo sinal disto está no facto de que enunciá-lo já não é aceitável. Criticar o gosto popular convida à acusação de elitismo, e defender distinções de valor -- entre a virtude e o vício, o belo e o feio, o sagrado e o profano, o verdadeiro e o falso -- é estar contra o único juízo de valor que é largamente aceite: o juízo de que todos os juízos são condenáveis. Em tais circunstâncias a tarefa da filosofia terá que mudar. A filosofia, para Platão, subvertia as certezas de uma cultura comum e dirigia-se, através da dúvida e da admiração, ao reino da verdade. Hoje não existem certezas e nenhuma cultura comum merecedora desse nome. A dúvida é o refrão da comunicação popular, o cepticismo estende-se em todas as direcções e a filosofia ficou privada do seu ponto de partida tradicional: a crença numa comunidade estável. Uma filosofia que assenta na dúvida é contra o que ninguém acredita e convida-nos a nada acreditar. Por mais importantes que sejam os seus êxitos, na descrição da natureza e nos limites do pensar racional, tal filosofia agora arrisca-se a afastar-se da vida circundante e a trair a antiga promessa da filosofia, que é a de nos ajudar, mesmo indirectamente, a viver sabiamente e bem.

Esta é uma visão muito pessoal da filosofia. Nela, o autor centra-se nas ideias e argumentos que mais o atraíram nesta disciplina. E assim procura demonstrar porque é que a filosofia é tão relevante, não só para as grandes questões intelectuais, mas principalmente para a vida quotidiana no mundo moderno. Apesar de não omitir as ideias de grandes filósofos, particularmente Kant e Wittgenstein, grandes influências no seu pensamento, o autor não fornece um guia clássico dos argumentos deles. O objectivo deste livro é funcionar como um guia para o leitor - inteligente - que esteja preparado para embarcar numa fascinante aventura pelas principais questões filosóficas: a Verdade, o Tempo, Deus ou o Sexo.

Sobre o autor:
Roger Scruton reformou-se recentemente da Cadeira de Estética de Birkbeck College, Universidade de Londres. Foi também 'Visiting Professor' na Universidade de Boston, EUA. É conhecido como crítico, romancista, conferencista, e aparece regularmente na televisão e na rádio. É director da revista Salisbury Review e os seus livros recentes incluem Thinkers of the New Left (1986), Xanthippic Dialogues (1993), Modern Philosophy (1994) e Animal Rights and Wrongs (1996). Alguns destes títulos estãos disponíveis na Bloom.

Excerto:

A filosofia - o «amor da sabedoria» - pode ser abordada de duas maneiras: produzindo-a, ou estudando a forma como tem sido produzida. A segunda abordagem é familiar aos estudantes universitá­rios que dão por si confrontados com o mais amplo corpo de literatura alguma vez devotado a um só tema. Este livro segue um molde mais antigo. Tenta ensinar filosofia fazendo filosofia. Ainda que remeta para os grandes filósofos, não forneço um guia fidedigno para as suas ideias. Expor cerimoniosamente os seus argumentos seria frustrar o meu prin­cipal objectivo, que é o de tornar viva a filosofia.
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A nossa necessidade filosófica mais urgente, parece-me, é a de com­preender a natureza e o significado da força que outrora manteve o nosso mundo unido, e que está agora a perder o seu controlo - a força da religião. Pode ser que a crença religiosa seja em breve uma coisa do passado; é, contudo, mais provável que crenças com a função, a estrutu­ra e o ânimo da religião fluam para o vazio deixado por Deus. Em qual­quer caso, precisamos de compreender o porquê e a razão do motivo da religião. É de ideias religiosas que o mundo humano, e o sujeito que nele habita, são feitos. E é o resíduo espiritual do sentimento religioso que provoca os nossos problemas filosóficos mais intratáveis.

"Guia de Filosofia para Pessoas Inteligentes" de Roger Scruton
GUERRA E PAZ ● ISBN: 9789898014443 ● 2007

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