Da terra, de nós

Todos os livros têm cheiros, uns mais fortes que outros. Nesta pequena grande obra prima de Panos Karnezis, o cheiro é sobretudo a terra e a chuva, a ruas molhadas de uma aldeia sem nome num espaço geográfico onde já nem sequer o comboio pára, mas que ainda tem estação e, essa sim, de cheiro menos agradável. Mas é sobretudo a terra, a chuva e a pessoas com nomes e rostos que este livro cheira, contos entrelaçados por partilharem, com independência e irreverência, personagens e elementos.
À partida, Pequenas Grandes Infâmias é apenas um livro de contos. Bem escritos, fluidos, apetecíveis. À medida que o tempo passa e as folhas também descobre-se que, embora faça sentido abrir o livro numa página qualquer, o texto é também um todo. Percebe-se porque é que a vendedora de pássaros salva as gémeas das primeiras páginas. Porque é que o padre Yerasimo tenta, sem sucesso, converter as almas perdidamente achadas do povoado. Porque é que o encanto vale mais do que as jóias de uma vida e porque é que o amor permite o sono descansado. Porque é que o sono é desassossegado quando o amor está para lá das grades e como é que uma arma se revela essencial ao casamento em dias de Quaresma.
Em Pequenas Grandes Infâmias, existe um café de aldeia e o homem do café da aldeia. A barbearia e o barbeiro, a igreja e o padre. Pássaros, doenças e maleitas, mortes e nascimentos. O desgraçado e o engraçado. A alma boa e aquela que nem por isso. As verdades escondidas e as mentiras públicas. A tragédia do início que pode ser uma nova vida e o fim que não se conta nem dos filmes, nem dos livros.
Panos Karnezis escreve sobre uma aldeia que sentiu e imaginou mas que se parece, em tudo, às pequenezas de outros mundos, de maior ou menor dimensão. Dizem que é o escritor mais lido da actualidade na Grécia, país onde nasceu, tendo a particularidade de escrever, originalmente, em inglês. Representante de uma geração de novos escritores, Karnezis aconselha-se a quem gosta muito de ler, a quem lê de vez em quando mas também – e sobretudo - a quem quer gostar de ler. Uma edição da Cavalo de Ferro.

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