Mais veloz do que a própria sombra

"Porquê ler os clássicos?", pergunta Italo Calvino. O que é na verdade uma obra clássica, será apenas o tempo que a classifica, o modo como ela perdura? Porquê, por exemplo, beber um sumo de laranja verdadeiro, natural, acabado de espremer se se pode ter uma Schweppes também de laranja, ainda para mais dentro de uma lata, ainda para mais com gás lá dentro, que causa desmaio e curiosidade, e que no final acaba por ter a mesma cor, mais amarelo menos amarelo. Será a sua essência, o gosto, o modo como se digere e reproduz sabores cá dentro? Será isso uma obra clássica? Que fica no gosto, para sempre?
Um clássico é um pedaço da Criação humana na sua forma mais crua, mais intacta, que ganha o estatuto imortal e que se abraça à eternidade tornando-a mais imensa, vestindo como uma sombra todo o infinito, aquele que passou e o que está ainda para vir. Um clássico é sempre novo, sempre actual, sempre em constante mutação. É sempre uma surpresa cada vez que se lê e pode ler-se centenas de vezes.
"Porquê ler os clássicos?" é uma obra póstuma de Italo Calvino publicada em 1994, em Portugal chegou até nós pela Editorial Teorema. Calvino foi um dos mais importantes escritores italianos do século XX. Nascido em Cuba, de pais italianos, parte com a família para Itália para onde regressam logo após seu nascimento. Formado em Letras, fez parte da Resistência ao fascismo durante a Segunda Guerra Mundial e foi membro do Partido Comunista Italiano até 1956, desvinculado-se em 1957. Carta de renúncia que ficou famosa e que também ela se tornou um clássico da defesa dos valores humanos. Faleceu em Siena a 19 de Setembro de 1985
"Os clássicos sãos os livros de que se costuma ouvir dizer: «Estou a reler...» e nunca: «Estou a ler...»"; "Um clássico é um livro que nunca acabou de dizer o que tem a dizer", que está sempre a dizê-lo de uma outra forma; "Os clássicos são livros que quanto mais se julga conhecê-los por ouvir falar, mais se descobrem como novos, inesperados e inéditos ao lê-los de facto"; "É clássico o que tiver tendência para relegar a actualidade para ruído de fundo, mas ao mesmo tempo não puder passar sem esse ruído de fundo".
A partir destas e de outras definições que nos oferece no primeiro capítulo, Clavino vai dar resposta à pergunta que formula no título, numa série brilhante de ensaios qie percorrem alguns dos pontos mais altos da literatura e do pensamento de todos os tempos: A Odisseia, Xenofante, Plínio, o Velho, Ovídio, Ariosto, Galileu, Robinson Crusoe, Diderot, Cândido, Stendhal, Flaubert, Tolstoi, Conrad, Hemingway, Borges e muitos outros autores de obras definitivamente clássicos.
A Teorema coroa e em certa medida ilumina o conjunto - já sem dúvida clássico - da sua vasta obra. E a partir daí satisfaz toda a sua sede ao deixar esse sabor eterno.
"Porquê Ler os Clássicos?" por Italo Calvino - Teorema - 1994

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