“É uma pena que, na altura, eu não soubesse escrever, porque teria começado a tomar notas. Apesar de ainda não suspeitar que a minha vida seria merecedora de uma crónica como esta, aquela viagem merecia ser registada detalhadamente, já que muito poucas pessoas tinham cruzado a salgada extensão do oceano, água de chumbo, fervilhando de vida secreta, pura abundância e terror, misto de espuma, vento e solidão. Neste relato, escrito muitos anos depois de ter feito a travessia, é meu desejo ser o mais fiel possível à verdade, mas a memória é sempre caprichosa, fruto do que se viveu, desejou e fantasiou. A memória também está tingida pela vaidade. Neste preciso momento em que a Morte está sentada numa cadeira junto à minha mesa, à espera, ainda sou avassalada pela vaidade, não só para pintar as faces de carmim quando recebo visitas mas também para escrever a minha história. Haverá alguma coisa mais pretensiosa do que uma autobiografia?”
in "Inés da minha alma", de Isabel Allende • DIFEL
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