Na entrevista do mês da CAMINHO, o escritor angolano ONDJAKI, que passou por Macau em 2006, responde a questões formuladas pelos seus leitores.
Literatura, cinema, artes plásticas, todas estas linguagens são suas conhecidas. Em qual delas se sente mais à vontade?
Sinto-me mais à vontade escrevendo, ou pensando no que irei mais tarde escrever. Ainda que, por vezes, os outros formatos sejam também escritas...
Penso que é visível em grande parte da sua obra uma predominância das memórias da sua infância. Que importância têm/tiveram na sua vida pessoal e de autor?
Elas aparecem cada vez mais frequentemente. Penso que é um recurso, como outros, sendo que este já tem suficiente material para depois virar ficção. E é assim que talvez faça mais sentido, isto é, serem válidas porque podem ser transformadas em material literário. E também porque, vindas da infância, vêm já com uma carga emotiva que pode eventualmente valorizar o texto.
Quando escreve um livro, imagina para que público escreve? Que idades acha que têm os seus leitores?
Não costumo imaginar. Com a excepção do livro Ynari, que escrevi intencionalmente para os mais novos, os outros escrevo apenas sentindo e pensando na estória, com foco naquilo que pretendo dizer, ou expressar. Não sei que idade têm os meus leitores, mas parece que é um leque variado, e isso agrada-me.
Qual a diferença entre escrever para adultos e para crianças?
Acho que me sinto mais "preocupado" quando escrevo para crianças... Mas não sei se deveria. Talvez devam todos ser simplesmente tratados como leitores. As crianças, como sabemos, são leitores muito atentos, então talvez essa preocupação seja excessiva...
Lendo os seus livros ficamos com uma ideia do que foram estes últimos anos em Luanda/Angola. Consegue, sem fazer qualquer tipo de futurologia, imaginar como serão os próximos?
De facto, não consigo. Imagino que serão melhores e diferentes. Melhores porque a guerra terminou e vivemos agora um outro tempo, tanto externo como interno, com outras condições. E serão também tempos diferentes porque as condições sociais e políticas alteraram-se, e estamos muito próximos de conseguir entrar num ciclo de eleições polí ticas que eu espero que venha a ser regular e saudável. Não sei como será o país nos próximos anos, mas desejo que haja mais justiça e que os bens naturais do paí s possam ser melhor divididos.
É habitual perguntar-se a um escritor alguma coisa sobre as suas influências. Arrisco, e pergunto-lhe se as tem e quem são?
Gosto de ler muita coisa, mas admito que me fascinam os autores e o imaginário da América Latina. Penso que esses mundos têm grande eco em mim, a partir deles sonho, a partir deles me emociono, e esa emoções sempre um contributo para o meu próprio trabalho.
Quando é que escreve um grande romance (em termos de tamanho, claro)?
Quando for capaz... E isto tem de vir de dentro, de muito dentro. Porque o tamanho das estórias não depende do número de páginas que se escreve, mas sim da intensidade de um sonho...
Que percepção tem acerca da recepção da sua obra no Brasil?
Foi muito bem recebida, tanto do ponto de vista linguístico como dos conteúdos. O Brasil vive um momento de grande curiosidade e de certa desmistificação daquilo que eles chamam a "África", e cada livro nosso que sai lá contribui um pouco para isso.
Neste momento, já com alguns livros publicados sobre diversos temas e para diferentes faixas etárias, enfrenta um dilema entre continuar na polivalência artí stica ou centrar-se apenas na literatura, por forma a amadurecer um determinado género?
Não enfrento esse dilema... E, como digo, as outras formas também podem ser consideradas literatura. Os livros, em diferentes áreas e estilos (ainda está por sair um livro que é uma peça de teatro...), são vozes do mesmo mundo. Vou dizendo as coisas aos poucos, porque vejo muita coisa, sonho muito, e fica muito por ser dito. Mas sim, há uma tendência para eu querer centrar-me mais na produção literária. Vamos ver se isso é possível...
Ondjaki, nasceu em Luanda, em 1977.
Interessa-se pela interpretação teatral e pela pintura (duas exposições individuais, em Angola e no Brasil). Participou em antologias internacionais. Escreve para cinema e co-realizou um documentário sobre a cidade de Luanda (Oxalá Cresçam Pitangas, 2006). É membro da União dos Escritores Angolanos. É licenciado em Sociologia. Recebeu no ano 2000 uma menção honrosa no prémio António Jacinto (Angola) pelo livro de poesia Actu Sanguíneu. Em 2005 o seu livro de contos E se amanhã o medo obteve os prémios Sagrada Esperança (Angola) e António Paulouro (Portugal).
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