O Diccionário

Há aquela luz que de vez em quando se vê nos filmes antigos. Uma lâmpada pendurada por um fio, que abana quando uma porta se abre e entra uma corrente de ar. Esse tipo de luz faz barulho, uma espécie de bzzz, como se existissem dentro dela centenas de pequenas moscas. É isso que tenho por cima de mim.
É de noite. E eu levanto a voz.
- Ouve lá, esta palavra entra no dicionário ou não? - É preciso gritar. Estamos nisto há que horas, é sempre o mesmo. Cada ano que passa, acabamos sempre por vir aqui parar e, como nínguém consegue decidir patavina, nunca saímos daqui a tempo de conseguir dar uma volta e ver ainda o brilho da noite. É terrível sair daqui de dia. Levamos sempre as moscas atrás que nos acompanham até ao fim das horas diurnas. Até conseguir ir para a cama. Pode alguém acreditar que chego a sonhar com elas? Às vezes penso que o que está dentro desta lâmpada a fazer bzzz são apenas os restos do meu cérebro que ainda funcionam.
Os filmes não precisam de ser bem antigos. Esse cinema moderno - de hoje! - também tem a mania de recalcar esses ambientes manhosos, de outrora.
- Estás a ouvir? - Como é que ele se chama? Às vezes esqueço-me. Estou com ele há tanto tempo que deixo de saber que nome tem. Jonas. É para aí Jonas, ou assim.
- Jonas!!? Foda-se... - foi à casa-de-banho, o Jonas, saiu daqui há duas horas, levou um calhamaço de uma dessas novas editoras que andam para aí. Cabrão.
Letra T, é onde vamos, ainda faltam as outras todas. Parece pouco, eu sei, se olharmos para tantas que já passaram. Mas estou tão farto disto que cada palavra que escrevo me fere toda a aptidão do gosto e do sentir. Torno-me um maneta qualquer, isto porque já não consigo encontrar os termos certos para me explicar. Por isso digo maneta. Podia também dizer qualquer outra coisa parecida com a palavra "bronco", mas agora não estou para aí virado.
Lá está de novo a lâmpada a abanar. E o estrondo da porta que se cola sempre ao seu rasto.
- Jonas?? Mas quem é que te disse que eu me chamava Jonas? Tu tens com cada uma. Leonardo!!
Ok! Leonardo. Que seja.
Sei lá se é Leonardo ou outro nome qualquer, sei lá se o gajo me está a enganar.
- Trocadilho... - digo-lhe eu, meio queimado com o bronze que esta exposição eléctrica me está a dar. - "Trocadilho", entra no dicionário ou não? É isso que quero saber, estou a chamar-te há meia hora!
- Trocadilho?? - e coça a cabeça... bzzz.
Já sei no que isto vai dar. Porra, são quase cinco da manhã e se vejo mais uma vez a luz do dia transformo-me em Lobisomem, ou lá o que é.
Aquela última frase do bronze não estava muito clara, eu sei. Queria dizer que a luz eléctrica me bronzeava o rosto, por estar aqui há tanto tempo. Talvez mais tarde volte de novo a esta página e dê a volta ao texto. O que eu queria era apenas fazer um trocadilho. Depois disto tudo ninguém pode levar a mal. Mas deixo aqui as minhas desculpas, ou condolências, pelo sucedido. Nunca se sabe.
Sorry la!

3 Comments:

  1. Bloom * Creative Network said...
    Thanks for your visit! Come again!
    Kind regards,

    All of us at Bloom
    ring said...
    Esse gajo nem português deve ler, estás aí a agradecer para quê? ;-p
    Anonymous said...
    Gostei desta história! Parabéns!

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