O que significou para si receber o prémio BES Photo 2006?
Fiquei contente. Não o quero sobrevalorizar, mas também não o desvalorizo. Já estou a trabalhar há tanto tempo em fotografia que penso que é um reconhecimento, pelo menos, do trabalho apresentado e por um júri maioritariamente estrangeiro.
Como se começou a interessar por fotografia?
Por via do cinema e da pintura...
Colaborou com o Independente e o Blitz. Entretanto, desinteressou-se pelo fotojornalismo?
Não, de forma alguma. Só que percebi que o que quero dizer é tão subjectivo, que não pode ser jornalismo. É ficção.
Porquê editar agora Sob Céus Estranhos em livro e DVD?
Era um projecto que existia desde o início e que só agora, graças ao entusiasmo da editora Tinta Da China se pode realizar. A ideia inicial era um livro, depois aconteceu como filme e agora encontrou a sua forma ideal; um livro que integra o filme em DVD. Os livros dão-nos coisas que os filmes não podem dar e vice-versa. Penso que aqui está a prova disso.
Como lhe surgiu a ideia para este trabalho?
Sempre pensei que esta história merecia ser contada e quando iniciei o trabalho não existia mais nenhum sobre o tema. Felizmente entretanto saíram outros livros sobre o assunto. Também quis desmistificar um pouco a ideia que existe de que o regime de Salazar tinha sido um anjo da guarda para esta gente.
Portugal durante a guerra não era a terra prometida mas apenas um corredor até ela, um ponto de passagem. O país do «pão e vinho sobre a mesa» que se gaba de bem receber não tratou bem esses exilados?
Algumas pessoas em Portugal trataram bem os exilados. O país recebeu alguns. Muitos ficaram à porta e morreram por isso. O livro apresenta documentos de crianças com 10 e 14 anos, cujos pais as esperavam já em Nova Iorque, a quem Portugal recusou passagem. Os países podem sempre fazer mais e melhor, não deve haver termos de comparações em questões humanitárias, mesmo hoje.
O filme foi exibido pela primeira vez em 2002. Como foram as reacções?
As reacções são sempre muito diversas. Mas foi muito gratificante apresentar o filme em Nova Iorque e encontrar lá pessoas que tinham tido esta vivência em Lisboa e que, de certa forma, reencontraram uma parte de si neste filme. Com algumas mantenho-me em contacto até hoje.
Sobre o filme: Também padece da ‘doença do exílio’ da sensação de ser um estranho, de não pertencer a nenhum sítio por onde passa?
Eu não padeço de uma “doença de exílio”, mas este tipo de “doença” deixa marcas ao longo de gerações, sem dúvida nenhuma. Daí que, alguns dos conflitos no mundo tenham necessariamente a haver com factos passados há muito tempo.
O Daniel é judeu praticante? Pesa essa herança familiar?
Ninguém na minha família é ou foi judeu praticante. Mas existe uma cultura judaica, da qual eu me sinto próximo. Pelas palavras, pela comida, pelo humor, pelo passado, pelas histórias. Ironicamente foi Hitler e o anti-semitismo que tornou alguns judeus mais judeus.
Vai à sinagoga?
De quando em quando e aqui e ali.
Sente-se e gosta de ser português ou é um conceito conflituoso?
Sinto, gosto, e por isso mesmo é conflituoso. Só quem não gosta de uma terra, ou não a sente como sua, é que a aceita com todos os seus defeitos ou que a deixa ser estragada por interesses económicos.
Este documentário pode ser interpretado como homenagem ao passado de resistência (e paciência, de saber esperar) dos exilados?
Não, este documentário não é nenhuma homenagem. Entre os refugiados existia, como é óbvio, todo o tipo de pessoas, não desejo homenagear a condição de refugiados só por si. Este documentário é antes uma memória, que, talvez, também nos sirva como exemplo no presente, em relação a outros refugiados, exilados ou emigrantes. Por vezes, não temos a noção de como as razões de estado, as decisões públicas, alteram as nossas vidas pessoais. Nós que fomos um país de imigrantes deveríamos ter mais consciência disso.
Ou é uma busca pelas raízes familiares com uma história tão particular? Uma resposta à pergunta ‘onde fica a minha casa'?
Também o é, sem dúvida. Tal como também é um trabalho sobre a própria fotografia, as fotografias de outras fotografias ou as memórias de outra memórias.
O nome do livro+filme Sob Céus Estranhos tem alguma relação com a obra de Ilse Losa de 1962 (também ela refugiada) com o mesmo nome?
Sim, é uma homenagem a uma escritora que veio para Portugal e começou a escrever em português. O romance Sob Céus Estranhos conta-nos igualmente a experiência de um refugiado, neste caso no Porto.
Foi fácil aceder a tantas imagens de arquivo? Os arquivos para além do pessoal, claro.
Os arquivos são sempre burocráticos, porque muitas vezes não são feitos para serem utilizados. Veja-se o da RTP, que passou a negócio, apesar de ter sido pago por nós todos e de ser parte substancial da nossa memória colectiva.
[POR LUÍS MIRANDA /SOL]
Bookmarkers: Jornais / Newspapers, Português, Vision
Bem, quanto a mim, há na raíz do Ser, algo que nos aproxima de todo o conjunto dos símios, do qual por vezes, dadas as nossas condições genéticas, não nos conseguimos livrar, que justificam acções que de outra maneira, se fossemos matemáticos, ou mecânicos, não existiriam. Quer dizer que ao exprimirmos o contrário daquilo que na verdade significamos, que nos representa, e que pode ser apenas a imagem que os outros têm de nós, estamos a ocultar, depreciando ou engrandecendo, toda a nossa verdade. E isso dá-nos conforto, não nos responsabilizando pelos nosso actos de símio. Daí até à mistura com a palavra herói foi um passo.
O documento fotográfico, histórico, vive muitas vezes deste subterfúgio. Como se quisesse demonstrar no seu corpo visível de imagem, mecânico e matemático, todas as discrepâncias de um passado que ajudou a inaugurar.
Ok, mandem-me calar!