Marcámos a sessão de fotografias para a manhã. O Leonel Barros é um dos macaenses que faz parte do património desta comunidade em Macau e eu gostei da ideia de ir fotografá-lo. Há caras que contêm todas as linhas do universo onde vivemos. A Mariana tinha-me contado um pouco da entrevista. Ele tinha-lhe dito "não vou à Taipa e a Coloane desde que a ponte abriu". Existem três pontes em Macau, a última foi inaugurada há um ano atrás e é nessa que se pensa quando alguém faz uma afirmação deste género. "Qual ponte?", perguntou a Mariana só para ter a certeza. "A Ponte Nobre de Carvalho!", respondeu Leonel Barros.
Esta ponte foi projectada pelo engenheiro Edgar Cardoso e inaugurada em 1974. Para esta geração de macaenses, e creio que também para a maioria de toda esta comunidade, "A Ponte" é a Nobre de Carvalho, a primeira delas todas, e não há mais nenhuma assim. Leonel Barros não ia à Taipa e a Coloane há mais de 33 anos, para um território minúsculo como Macau isto é algo que não cabe na cabeça de ninguém.
"Gosto muito de estar em casa", disse-me ele, depois de o ter convidado a vir comigo ao outro lado do rio. Pensei que fosse alguma promessa ou superstição, mas quando lhe disse que o queria fotografar na Taipa ele não disse que não, ficou apenas preocupado com a quantidade de cigarros que tinha no bolso da camisa.
E fomos. Estava calor. O carro estava relativamente fresco. Fomos devagar, para ver com atenção e com calma o que passava por nós lá fora.
Apanhámos a Ponte da Amizade, inaugurada por Cavaco Silva, então Primeiro-ministro, em 1994. Leonel Barros não conhecia nenhum dos viadutos que faziam a ligação à ponte nem o resto dela e confundiu parte do Reservatório com a água do mar, do outro lado da estrada. Na Taipa o cemitério chinês pareceu-lhe enorme, no princípio dos anos 70 não tinha muitas campas, disse-me. Depois o Aeroporto. A 'roda de diversões' por cima do Hotel em frente. Quando perguntam "O que é aquilo?", só apetece responder que é um OVNI. Não se consegue explicar, como é que foi ali parar, nem sei como se pode chamar, mas tenho a certeza que não é utilizada por ninguém. Como outras coisas em Macau vale pela figura que faz, pela fachada e pela extravagância, mas não funciona.
Depois a Universidade de Tecnologia e o Venetian logo a seguir. Ficou espantado, já tinha visto na televisão e não lhe pareceu tão grande. "Tenho medo deste sítio". Eu disse-lhe que aquilo é que era Macau hoje em dia. "E isto é a Taipa?", perguntou-me. Respondi-lhe que estávamos a passar pelo antigo Istmo e que aquilo tudo, no tempo dele, era água de um lado e do outro.
O tempo estava nublado. De Macau não dá para ver a sua própria paisagem e Leonel Barros achou estranho toda aquela falta de visibilidade, a névoa. Não lhe quis explicar que os dias são assim a maior parte do tempo, e que aquela é uma das marcas do território. Quando chegámos finalmente à Ponte Nobre de Carvalho houve um reconhecimento imediato e uma espécie de segurança que lhe deu lume ao cigarro que acendeu quando saímos do carro. Estivemos cinco minutos a olhar para um lado e para o outro. Eu à procura da melhor imagem no meio daquela quantidade toda de cinzentos. Não se via o fim da ponte e Macau parecia um fantasma do outro lado do rio.
Não queria tirar-lhe muito tempo. Quando voltámos perguntei-lhe se tinha gostado. Ele disse-me que sim, que tinha sido muito bom, "mas estou cansado". No regresso ao olhar para a Torre de Macau, mais uma vez disse, "nunca estive aqui", e eu achei que aquilo era impossível.
A REPORTAGEM SAI NO TAI CHUNG POU PORTUGUÊS NOS PRÓXIMOS DIAS E É ASSINADA POR MARIANA PALAVRA. NÃO PERCA!
Bookmarkers: Macau, Português, Travel, Vida / Life, Vision
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