Ondjaki foi convidado - com Paulina Chiziane e outros autores lusófonos - a participar no colóquio organizado pelo IPOR denominado "Lusofonia: Os Caminhos da Escrita", aconteceu em Junho de 2006, ainda na sequela de mais um 10 de Junho, Dia de Portugal.
O autor angolano era para mim uma novidade. Despertou-me sobretudo a simplicidade como pegava nas palavras e as enchia com o seu calor. Claro, sincero, alegre, mas também cheio de ironia e de dúvida. Nunca antes tinha passado pelos escritos de Ondjaki, e ao ouvi-lo mergulhei imediatamente para o seu mundo, para o mundo quente e doce de Angola - acre, também - ao sabor dos diversos dialectos vi-me em Luanda e nas outras cidades, tanto das outras cidades e aldeias, e das suas pequenas narrativas. Caras depuseram-se à minha frente, mulheres, grandes, com os seus vestidos coloridos e o andar bamboleante, onde nos mercados feitos de terra passeavam com as suas crianças, que como os cães se divertiam em pura alegria. Ou os restos de um conflito, com os homens, sempre em chama, sempre a avizinhar-se grande, na guerra, mas também indiferente de tão queimado. E havia também um chiar dos automóveis, ou outros instrumentos de viagem, aqui e ali, que deixavam as suas cordas nos meus ouvidos e a beira da estrada escura, que os separava do vasto arvoredo seco que ocupava a vista toda. Isto tudo num auditório, ao vivo, a flutuar a sintonia da minha imaginação.
Paulina Chiziane, do mesmo modo, levou-me consigo pela mão e deixou-me pregado numa árvore de Moçambique.
É esta a beleza dos livros. Dos contadores de histórias, das coisas que ficam. Sonhos, vidas e memórias. É isso que nos leva e que nos deixa ficar, que nos faz imortais mesmo depois da nossa passagem pela terra. Nesta estrada com bermas escuras, feitas de pós e sobras das árvores. É assim a obra de Ondjaki, abre-se e vemo-la cair a enfiar-se por dentro de nós:
Era uma tarde quase bonita numa cor amarela e castanha que o sol tinha posto dentro do apartamento pequeno deles. Serviram chá para nós, um chá aguado mas doce, cheio de ternura. Quase ninguém tinha palavras de falar - nem eles, nem nós. Depois o camarada professor Ángel explicou-nos, com palavras um bocadinho difíceis, que a missão deles em Angola tinha terminado e que se iam embora muito em breve. O Bruno coçava a garganta e olhava para a janela, também impressionado com as cores daquele amarelo-sol. A Petra, a Romina e eu vimos a camarada professora María chorar escondida na cozinha e tivemos de fazer força para parar as lágrimas. O camarada professor Ángel continuava a falar e, sem querer, dizia coisas que nos emocionavam muito. Nas despedidas acontece isso: a ternura toca a alegria, a alegria traz uma saudade quase triste, a saudade semeia lágrimas, e nós, as crianças, não sabemos arrumar essas coisas dentro do nosso coração.Bom Dia Camaradas foi a primeira obra com que inundou o mundo literário lusófono, publicada aos 23 anos, em 2003. Este excerto é no entanto do seu último livro, Os da Minha Rua, onde Ondjaki desperta essa saudade do mundo de criança que vive em sono leve dentro do seu corpo. São histórias como as nossas, as que temos também da nossa rua, que cantam de viva alma memórias quentes e urbanas, mais uma vez de Angola. Coisas que se ouvem e vêm a rebolar lá de cima, como a música que salta do colo de uma mãe. Ou um jogo de futebol, a câmara muito lenta, os passos que se enchem das suas pessoas e o repente da imaginação, com um toque de lágrimas, sempre a rolar.
Quando alguém me tocava no ombro, as imagens todas desapareciam, o mundo ganhava cores reais, sons fortes e a poeira também.Ondjaki nasceu em Luanda em 1977. Prosador. Às vezes poeta. Escreve para cinema e co-realizou um documentário sobre a cidade de Luanda (Oxalá Cresçam Pitangas - Histórias de Luanda). É membro da União dos Escritores Angolanos. É licenciado em Sociologia.
A sua obra está disponível, quase na totalidade, na Bloom. Que mais razões precisa para ir até lá?
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