A qualidade de som que se conseguia com o equipamento trazido pelo César de Sá dos Estados Unidos deixou-me verdadeiramente entusiasmado. Uma das minhas brincadeiras favoritas era gravar a minha voz num tom coloquial e reproduzir a gravação com o volume apropriado, dizendo - Pois... eu estou a falar consigo e você não me vê porque está de costas voltadas para mim... mas o que eu pergunto é se me esta a ouvir a mim ou a ouvir a minha voz gravada. Invariavelmente a pessoa respondia que me estava a ouvir a mim porque não conseguia distinguir a diferença entre a minha voz real e a minha voz gravada. Também fazia esta experiência com o piano em que batia nas teclas ou reproduzia o som do mesmo piano gravado.
Estas experiências serviam para demonstrar aos visitantes que o César de Sá trazia à Cinelândia a qualidade de som e a qualidade dos nossos recursos nessa matéria.
Comecei a estudar a ALTA-FIDELIDADE ao ponto de comprar livros e aprender electrónica, o desenho e fabrico de amplificadores de som.
Como entusiasta da música jazz e amigo de vários músicos que comigo tinham fundado o HOT CLUBE de PORTUGAL, comecei a trazê-los até a Cinelândia para fazermos gravações das suas exibições. Por iniciativa de um dos grandes aficionados do Hot Clube, o Luís Vilas-Boas, esses amigos costumavam periodicamente realizar jam sessions no salão de chá do Café Chave de Ouro no Rossio. Essas jam sessions eram espectáculos imensamente participados por uma audiência entusiástica em que os músicos começavam por tocar em conjunto um tema musical, uma canção ou uma melodia qualquer, mas sobre a qual cada músico tocava depois um improviso, variações baseadas na música original, mas transformadas pela sua fantasia. Depois de cada actuação, o improviso daquele músico era aplaudido entusiasticamente enquanto o outro arrancava de seguida com o seu próprio improviso. Nunca esquecerei as exibições do Menano ao piano a tocar os seus "booggie wooggies", um ritmo que desapareceu com o tempo, possivelmente assassinado pelo "rock and roll", nem esquecerei também os solos de bateria do Luís Sangareau, ou os solos de guitarra do seu irmão Mário Sangareau.
Claro que estas gravações de hot jazz feitas por mim na Cinelândia serviam às mil maravilhas para impressionar os visitantes. Um dos que mostrou um fantástico entusiasmo por essas gravações foi o Vergílio Teixeira que mais tarde se tornou num actor de fama internacional.
Com tudo isto, eu e o César de Sá tornámo-nos verdadeiros amigos e ele contava-me a história da sua vida, as suas ansiedades, a sua luta, a sua verdadeira paixão por uma cinematografia portuguesa válida e que nos desse expressão cultural. Fiquei a saber que nos primeiros tempos da produção cinematográfica portuguesa era preciso ir a França revelar, montar, sonorizar e copiar os filmes. O César de Sá, que se revelara um extraordinário director de fotografia formado nos Estados Unidos, com um capitalista espanhol, proprietário de vários cabarets em Barcelona, formou uma sociedade chamada LISBOA FILMES, e começaram a construção de um Estúdio completo, que tivesse além das câmaras de filmar e o respectivo material de iluminação, laboratório para a revelação dos filmes, salas de montagem, aparelhos para a sonorização, etc. Enfim, uma máquina completa de produção de filmes. Quando acabaram a montagem completa das instalações, que incluía oficinas para a construção de cenários, o César de Sá propôs ao seu sócio iniciar a actividade abrindo as portas a produção portuguesa. Isto é - a Lisboa Filmes aceitava propostas de todo e qualquer produtor que tivesse um projecto cinematográfico e punha à sua disposição todos os recursos para a execução técnica do seu filme.
Logicamente a Lisboa Filmes tornava-se sócia desse projecto e arrecadaria uma comparticipação nas receitas que o filme viesse a dar. Desta forma os produtores que alcançassem melhores receitas nas bilheteiras, seriam aqueles a quem a Lisboa Filmes daria maior prioridade.
O sócio capitalista, Don António Redondo opôs-se integralmente a este projecto dizendo - Não senhor... A Lisboa Filmes era o único estúdio integralmente equipado. Quem quisesse fazer filmes, como por exemplo aqueles produtores que eram subsidiados pelo Estado como o Leitão de Barros ou o António Lopes Ribeiro, vinham à Lisboa Filmes e alugavam os estúdios e pagavam os serviços prestados. Essa seria a sua fonte de receitas.
Desta fonte de divergências resultou o César de Sá sair da sociedade vendendo a sua quota a Don António Redondo que lhe disse que não pagaria a quota em dinheiro mas sim em créditos na Lisboa Filmes para ele produzir o que quisesse.
O César de Sá aceitou e produziu o seu primeiro filme nessa qualidade: FÁTIMA TERRA DE FÉ.
Este filme foi um sucesso de bilheteira e rendeu-lhe milhares de contos. Com as receitas ainda financiou um outro filme - UM HOMEM ÀS DIREITAS, que igualmente lhe trouxe bons rendimentos.
Depois regressou à ideia inicial, do estúdio produtor de filmes e daí a CINELÂNDIA.
Bookmarkers: Bloom Exclusives, Cinema, Macau, Português, Vision
Também não encontrei nenuhma referência a um Mário Sangareau na Internet. Espero que o Eurico desvende este mistério.