Entre Junho de 1972 e Abril de 1974, desempenhei funções de pequeno oficial do exército português num Comando de Agrupamento Operacional na Guiné Portuguesa, ainda então não denominada Guiné-Bissau. Quiseram os acasos, a sorte e o destino que a minha passagem pelos tempos finais do conflito militar se desdobrasse por três cenários de operações bem diferenciados, a região norte, em Canchungo (Teixeira Pinto), o centro, em Mansoa, e finalmente uma permanência de quase onze meses na zona sul, em Cufar.
Não sendo propriamente um operacional, o facto de estar integrado num comando de operações e de contactar todos os dias homens e lugares onde ocorriam acções militares, possibilitou diluir-me no quotidiano da guerra, vivê-lo por dentro, ser testemunha e actor de um drama real que se desenrolava diante de nós, camaradas de armas e desdita. Tinha então vinte e cinco, vinte e seis, vinte e sete anos e, tal como muitos outros milhares de soldados enviados para as guerras de África, escrevi um “diário secreto”, redigi centenas de aerogramas e cartas endereçadas a familiares, a amigos em Portugal.
Três anos depois de regressar da Guiné, os acasos da fortuna levaram-me outra vez para distantes paragens, agora o Extremo Oriente, a China onde – depois de todas as guerras, – me embebi num quotidiano de paz, sortilégios, alvoroços e fascínios a povoar o respirar célere da passagem dos anos. Quase esquecia o tempo da Guiné.
Os anos passaram. De novo em Portugal, sabia que continuavam comigo o “diário secreto” e muitas das cartas que escrevera em África. Mas considerava esses textos uma herança demasiado pessoal. Publicar, dar a conhecer o “diário” corresponderia talvez a um confessado exercício de auto-complacente contemplação do umbigo, de narcisismo. Eu, eu e mais eu.
António Graça de Abreu in "Diário da Guiné" • GUERRA E PAZ • 2007
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