As Minhas Memórias (12)

Aquela tropa em que eu fora incorporado tinha por missão substituir a guarnição de Macau que aqui permanecera durante a guerra. Na realidade, ao que parece, quando o Japão declarou a guerra, o Governo Português previu que as tropas japonesas avançariam pela China dentro e chegariam até Macau e Hong Kong. Previa-se uma carnificina. Assim, foram as cadeias, mobilizaram todos os presos de delito comum e trataram de os enviar para Macau como guarnição militar deste território. Quando chegámos para os substituir, encontrámos um ambiente de cortar à faca. Um dia entrei num café que estava cheio de gente. Minutos depois olhei à minha vcolta e estava sozinho. Na Almeida Ribeiro, quando descia a avenida todos os chineses atravessavam a rua para sair do meu caminho. O capitão Aranda, famoso capitão de engenharia andava pela cidade num jeep sem carroçaria e sentado num caixote. Subia e descia escadas e por vezes até entrava em lojas. Contavam-se as mais estranhas histórias sobre a vida em Macau durante a guerra. Passara-se fome (na verdade morrera-se de fome), comera-se carne humana e Macau chegara a ter um milhão de habitantes, mais do que Lisboa que só tinha seiscentos mil. Porém os japoneses nunca entraram em Macau. Respeitaram sempre a nossa soberania. Estas histórias foram-me confirmadas pela mimha mulher que aqui vivera durante todo esse tempo. Um dia, nas Portas do Cerco, surgiu um general japonês todo armado de pistola à cinta, a querer entrar. Havia ordens expressas para não deixar ninguém armado em Macau e a sentinela disse-lhe exactamente isso. O general desatou a rir às gargalhadas e disse - Você sabe quem eu sou? Eu sou o Comandante de todas as tropas em redor de Macau.

A sentinela ligou para o Palácio do Governo e então o Dr. Pedro Lobo mandou que o carro do Governador com a sua bandeirinha oficial fosse as Portas do Cerco buscar o tal general.
Assim ele entrou, armado e tudo, e nessa noite foi ao Casino do Fu Tak Yam, hoje Hotel Central, tomou o elevador no rés do chão e quando chegou ao terceiro andar a porta do elevador abriu-se e diante dele estava um chinês com uma pistola que lhe deu três tiros na cabeça.
O resultado de tudo isto foi que os japoneses exigiram que fosse preso o assassino do seu general e o Governo de Macau acabou por prender um chinês dizendo que tinha sido ele. À boca pequena, o que se dizia entre a população, era que o general tinha sido morto por um polícia com ordens do Governo de Macau e que aquele chinês estava combinado para dizer que tinha sido ele.
Porém os japoneses exigiram que lhes fosse entregue o assassino e isso complicou tudo. Assim o Governo de Macau concordou em fazer a entrega mas, por azar, durante a operação o preso tentou fugir de forma violenta e teve de ser abatido. E foi esse cadáver que foi entregue.
Ora durante o meu período de tropa sucederam algumas coisas que muito me assustaram.
Eu, como já disse, prestava serviço na Secretaria do Quartel General e um dia soubemos que tinha havido um tiroteio nas Portas do Cerco e entrámos de prevenção. Assim, por volta das nove horas da noite começámos a ouvir metralhadoras a fazer fogo e tiros esporádicos e a certa altura até ouvi um canhão a disparar. Fui à janela da secretaria e vi na encosta da Ilha da Lapa, pertencente à China um grande clarão ao mesmo tempo que ouvia o estrondo de uma peça de artilharia a fazer fogo. Pensei - Estão a bombardear Macau e fiquei à espera de ouvir ,como já vira em diversos filmes, um assobio seguido por uma explosão. Mas isso nunca chegou a acontecer. De repente tudo parou e ficou um silêncio expectante. Um pouco depois recebemos ordem de sair para a rua e apagar as luzes da via pública a tiro. O que se dizia era que o Quartel General dera ordens à MELCO para apagar todas as luzes da cidade mas esta recusara-se a fazê-lo. Assim, se não apagavam a bem teriam de ser apagadas a mal. Ainda fui encontrar colegas meus do Quartel da Administração militar muito entretidos na rua a fazer tiro ao alvo para apagar os candeeiros públicos.

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