O que nunca esqueci foram as palavras do Comandante Militar numa reunião com o Chefe do Estado Maior e que ouvi por acaso naquela altura, quando ia a passar no corredor do Quartel General. Dizia ele com voz irritada - Na guerra, mortes não se pagam com dinheiro, pagam-se com mortes.
De qualquer forma não sei ao certo o que se passou e como foi resolvida a situação mas o certo é que as Portas do Cerco voltaram a abrir e recomeçou o intenso movimento logo pela manhã com os inúmeros comerciantes que traziam os alimentos para Macau. Não ouve mais incidentes fronteiriços.
Naqueles tempos corriam imensas histórias em Macau que explicavam a nossa presença. Os navegadores portugueses haviam combatido nos mares da China contra os piratas de alto mar e assim tinham prestado tão bons serviços que a China, em sinal de gratidão, tinha oferecido a Portugal esta pequena península que com o tempo se tinha tornado num local de refúgio e um centro de comércio e de fé católica. Também num centro de turismo e de jogo.
Uma história clássica era a do cerco dos holandeses que com a sua frota de navios ameaçara bombardear a cidade de Macau que tanto cobiçavam. Contava-se que sobre o Farol da Guia havia surgido uma Nossa Senhora que abrira o seu manto e com ele protegera a cidade. Contava-se igualmente que um frade na Fortaleza do Monte disparara um canhão cuja bala foi precisamente entrar na abertura para o porão do navio armazém de explosivos da frota holandesa e que ao explodir aniquilou essa frota libertando Macau da ameaça.
Ora sucede que eu havia sido punido com cinco dias de detenção por ter ido para Hong Kong na altura das minhas andanças por causa dos filmes produzidos pelo Ricardo Malheiros, sem licença do Chefe do Estado Maior. Na verdade eu fui antes de receber a licença que já por várias vezes ele ma concedera. Mas quando ele soube que eu tinha ido antes de a receber, não a assinou, e assim fui apanhado em falta e castigado. Ainda apanhei mais cinco dias de detenção por ter saído do Quartel estando detido e fui transferido para o BC 2.
Nesta Unidade o Comandante Barata descobriu que eu tinha jeito para o desenho e pintura e sendo ele o Director do CLUBE MILITAR, passou a incumbir-me de todos os trabalhos de docoração daquele Clube quando havia festas. Assim, mandava-me chamar e dizia - Ferreira vai haver um baile no Clube pelo Carnaval. O que você vai fazer para decorar as salas? E então eu punha-me a fantasiar. Dizia - Vou pintar uma grande máscara carnavalesca para pôr na entrada, vou pendurar montes de serpentinas no tecto e assim por aí fora.
O comandante Barata punha à minha disposição todos os meios para fazer o meu trabalho, incluíndo pessoal auxiliar e viaturas e depois quando eu dizia que tudo estava pronto vinha verificar dizendo -Você disse que aqui ia pôr neste espelho um desenho de um casal a dançar.
Eu alegava que tinha achado melhor fazer o desenho noutro sítio mas ele não ia em conversas e eu tinha de fazer aquilo que eu planeara.
Desta forma foram imensas as decorações que fiz para aquele Clube até que já passados os dois anos a que era obrigado, pedi a minha passagem a disponibilidade. Mas isso é um novo capítulo na minha vida.
Bookmarkers: Bloom Exclusives, Cinema, Macau, Português, Vida / Life