O “Diário da Guiné” não é só a libertação de um indivíduo, mas sim a libertação de um grupo, à semelhança de outros (poucos) escritos pessoais de guerra. É um sinal de que, trinta e cinco anos depois, há medos que se vencem, num combate que se faz agora com palavras. Mas os diários de guerra ultrapassam o grupo – são também uma pista para os que não têm memória por não terem idade ou para os que estavam fisicamente longe da guerra e dela afastados pelo que não se contava nem dizia.
Estas foram algumas das ideias trocadas no sábado passado na Livraria Bloom, durante a apresentação do livro “Diário da Guiné – Lama, Sangue e Água Pura”, os escritos do quotidiano de António Graça de Abreu combinados com aerogramas e fotografias de então. O livro foi apresentado pelo editor da Guerra e Paz, José Santos, e por Fernando Sales Lopes, residente em Macau que esteve na Guiné durante o período reflectido no livro, de 1972 a 1974.
José Santos explicou como é que surgiu a publicação, “um livro que nos caiu de pára-quedas, para usar linguagem adequada ao tema, uma obra feita em muito pouco tempo.” António Graça de Abreu decidiu ir ao encontro do passado depois de António Lobo Antunes, também ele ex-combatente em África, ter transformado em livro as muitas cartas que escreveu durante a estadia forçada numa guerra da qual sobrou um cheiro forte, um calor contínuo e feridas que dificilmente cicatrizam.
Sales Lopes enquadrou o período em que o “Diário da Guiné” foi escrito, para depois passar da apresentação à discussão aberta com quem foi à Bloom. Porque sobre os livros que ainda não se leram não há grandes questões a colocar, foram levantados outros aspectos em torno da publicação, desde logo pelo formato intimista que assume. Falou-se do fenómeno recente da impressão de diários de guerra, houve consensualidade em torno da falta de ficção sobre o tema. A conversa seguiu com as leituras de cada um, com as experiências de alguns que reconheceram imagens do livro, porque também lá estiveram, com as perguntas de outros para quem está longe a geografia da Guiné.
Depois de “Strolling in Macau”, livro apresentado no final do mês passado, a Bloom optou agora por uma obra em língua portuguesa, sobre um universo lusófono distante mas que está presente em Macau. A terminar, a sensação de que todos os sábados podiam ser assim.
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