Porque a minha força é imortal.

Numa Lisboa sem tempo, entre Benfica e o centro, nascem, vivem, sonham, amam, casam, trabalham e morrem as personagens deste livro. No ventre de uma oficina de carpintaria aninha-se o cemitério de pianos, instrumentos cujo mecanismo, à semelhança dos seres que os rodeiam, não está morto, encontrando-se antes suspenso entre vidas. Exílio voluntário onde se reflecte, se faz amor, lugar de leituras clandestinas, espaço recatado de adúlteros, pátio de brincadeiras infantis e confessionário de mortos, é o espaço onde se encadeiam gerações. Os narradores – pai e filho –, em tempos diferentes, que se sobrepõem por vezes, desvendam a história da família, numa linguagem intercalada de sombras e luz, de silêncio e riso, de medo e esperança, de culpa e perdão. Contam-nos histórias de amor, urgentes e inevitáveis, pungentes, nas quais se lê abandono, violência doméstica e faltas nem sempre redimidas que, no entanto, acabam por ser resgatadas pelo poder esmagador da ternura e dos afectos. Falam-nos de morte, não para indicar o fim, mas a renovação, o elo entre as gerações e a continuação: o pai – relação entre dois Franciscos, iguais no nome e no destino, por um gerado, do outro genitor – nasce no dia da morte desse primeiro Lázaro; o filho, neto do seu homónimo, morre no dia em que a sua mulher dá à luz.

José Luís Peixoto
oferece-nos um texto mágico, no qual se cruzam, numa interacção fluida, diálogos cúmplices com a grande tradição da literatura portuguesa e universal.

Não há nenhuma diferença entre aquilo que aconteceu mesmo e aquilo que fui
distorcendo com a imaginação, repetidamente, repetidamente, ao longo dos anos.
Não há nenhuma diferença entre as imagens baças que lembro e as palavras cruas,
cruéis, que acredito que lembro, mas que são apenas reflexos construídos pela
culpa. O tempo, conforme um muro, uma torre, qualquer construção, faz com que
deixe de haver diferenças entre a verdade e a mentira. O tempo mistura a verdade
com a mentira. Aquilo que aconteceu mistura-se com aquilo que eu quero que tenha
acontecido e com aquilo que me contaram que aconteceu. A minha memória não é
minha. A minha memória sou eu distorcido pelo tempo e misturado comigo próprio:
com o meu medo, com a minha culpa, com o meu arrependimento.
Um pequeno excerto do livro "Cemitério de Pianos"de José Luís Peixoto, que em 2001 recebeu o Prémio Literário José Saramago, com o seu romance "Nenhum Olhar". Este e outros livros deste jovem poeta e escritor, estão à sua espera, na Bloom!

Cemitério de Pianos
, de José Luís Peixoto
• Editora Bertrand • ISBN: 9722515349 • 2006

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