Monstros, diabretes e génios em dicionário

Dicionário Infernal ou biblioteca universal acerca das obras, das personagens, dos livros, dos factos e das coisas que dizem respeito às aparições, à magia, ao comércio como inferno, às adivinhações, às ciências secretas, aos grimórios, aos prodígios, aos erros e aos preconconceitos.

Desde que Collin de Plancy empreendeu a imponente tarefa de erguer este monumento a tudo quanto há de mais baixo, malévolo e invulgar na história das mentalidades, é de admirar que ainda hoje haja quem, estranhamente, tenha prazer na leitura deste misto de peças fantásticas, istórias inacreditáveis, enfim, de um chorrilho de mentiras que constituem mais um romance do que um dicionário que se preze.
Se alguém resolver perder o seu tempo a ler este texto inqualificável, se alguém se quiser esquecer que o principal motivo de Plancy foi fazer dinheiro, só correrá o risco de rir da credulidade da espécie humana, de uma humanidade que historicamente está próxima de nós ou, caso seja ainda um espécime dessa raça crédula, poderá ficar apavorado por histórias que o autor afirma serem verdadeiras, mas que foram inventadas sob a tortura da Inquisição, de documentos e testemunhos cuja veracidade é indubitável mas cujos autores, também indubitavelmente, deveriam estar internados num asilo de alienados.
Um enigma completo é o de saber como é que um editor se atreveu a trazer este obscuro documento, que jazia no fundo da memória de um qualquer bibliotecário perverso, novamente à luz do dia à qual nunca lhe foi destinada. Outro é o da razão que levou uma poetisa de créditos e valor firmados a empreender esta insólita tradução...
Que cada leitor faça o seu juízo.

JUNG: Outrora o demónio era projectado para fora; hoje, graças à sua
inteligência, o homem já não acredita nele e retem-no dentro de si.
APOCALIPSE IX-6: Nesses tempos os homens procurarão a morte e não a
encontrarão; desejarão morrer e a morte fugirá para longe deles.
FREUD: É evidente que o Diabo não é mais do que a encarnação das pulsões
anais eróticas recalcadas.
GOETHE: Eu sou aquele espírito que nega. A essa Força eu pertenço. Que
sempre faz o Mal mas só o Bem alcança.
LES ÉTUDES CARMÉLITAINES: O Maligno ajuda maravilhosamente a malícia
humana.
D. A. F. SADE: Quero que deixes eternamente de existir para que eu possa
eternamente perder-te, eternamente destruir-te.
MEFISTÓFELES: Pediria ao Diabo que me levasse imediatamente. Apenas
acontece ser eu ele.
[Excertos de Liminar, selecção de Ana Hatherly]

Ficção? Ensaio? História? Quaisquer que tenham sido as reais motivações de Collin de Plancy ao escrever a sua obra, hoje, passados cerca de dois séculos desde a sua publicação, esta pode ser lida como uma reflexão sobre o Homem, as suas crenças suas instituições, ou simplesmente como uma extraordinária compilação de histórias fantásticas enriquecida pela excelente tradução e prefácio da poetisa Ana Hatherly.

Jacques-Albin-Simon Collin de Plancy nasceu em França em 1793 numa localidade denominada Plancy e faleceu no ano de 1887. A sua celebridade no campo das letras deve-se ao carácter particular das obras que publicou, que veio a ser designado por "género frenético" e que hoje designaríamos talvez por "literatura fantástica". Apesar do relativo desconhecimento a que se votou a sua extensa produção literária, é considerado um dos nomes clássicos das letras francesas, e o seu Dicionário Infernal tem conhecido edição após edição. Autor de uma obra extensissima da qual constam mais de 200 volumes é-lhe ainda atribuída a autoria de muitos outros pois usava (entre os já reconhecidos) mais de trinta pseudónimos.
Uma obra endiabrada a ferver na BLOOM.

Dicionário Infernal, de Collin de Plancy • CAVALO DE FERRO • ISBN 9728791003

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