As Minhas Memórias (21)

Ora quando eu decidi que não arriscaria mandar mais ninguém para o Japao sem saber quais os riscos que essa pessoa correria, resolvi ir eu porque já havia duas malas guarda-fatos para enviar e era preciso, fazê-las chegar ao seu destino.
Quando cheguei a Hong Kong para embarcar tinha no meu camarote, no navio, quatro ou cinco polícias da alfândega fardados e mais um inspector à paisana que vinham para fazer uma inspecção. Despejaram as malas e revistaram todos os meus pertences. Viram nos bolsos das calças, desmancharam uma máquina de filmar de dezasseis milímetros, uma Paillard Bolex que levava comigo, tiraram e inspeccionaram as lentes, abriram todas as caixas com os acessórios da minha toilete, enfim não deixaram escapar nada. Mas eu, que mostrava uma calma bem diferente daquilo que verdadeiramente sentia, ficava com a impressão de que eles não faziam a mais pequena ideia do que procuravam e estava atento a tudo o que se ia passando. A certa altura reparei que um dos polícias, metendo as mãos, com as palmas para cima, por debaixo do topo de uma das malas e a levantava tinha uma reacção de estranheza por achar talvez o peso excessivo para uma mala vazia. Eu atento perguntei-lhe - O que se passa? E ele, encarando-me frontalmente perguntou - Você garante-me que não leva ouro ? Eu encarei-o também frontalmente, olhos nos olhos e com o ar mais franco e honesto que consegui expressar disse - Juro que todo o ouro que levo comigo é este que está aqui a vista. E mostrei um anel e a minha aliança. Ele então pareceu completamente desinteressado de tudo e foi-se sentar num canto do camarote a ler um jornal. E eu comecei a achar que a coisa ja estava a ir longe demais e comecei a expressar alguma indignação. Foi quando reparei que o inspector à paisana começava a esgravatar no forro interior de uma das malas e começara a descolar essa cobertura de pano. Eu avancei para ele e pegando na ponta do pano que ele já descolara disse - Está a desconfiar de alguma coisa? E, com um puxão forte, rasguei o forro lateral da mala até ficar a uns centímetros de expôr as cabeças dos parafusos que prendiam a folha de contraplacado que cobria os mecanismos de relógio.

O inspector reagiu apressadamente dizendo - Não... Deixe estar!...
Acho que ele ficou com receio de que eu viesse a pedir uma indemnização pelos estragos provocados inutilmente nas minhas malas e a partir daí deu a inspecção por terminada. A despedida ainda lhe perguntei - Mas porquê? Porquê eu?
E ele dizia - Compreenda. De vez em quando temos de fazer umas inspecções assim. Senão nunca apanharíamos nada.
Despedimo-nos e todos sairam. Só aquele polícia que se sentara a ler o jornal se deixou ficar para trás e quando ia a sair à porta voltou-se para mim e perguntou - Conhece o Senhor Pina?
Eu achei e pergunta estranha e disse - Pina ? De Macau ou de Hong Kong ?
Ele respondeu - De Macau... e saiu.
Eu fiquei a pensar e durante toda a viagem em direcção a Kobe comecei a perceber o que se tinha passado. Também sentia os meus receios na chegada a Kobe. Sera que os japoneses me irão submeter a outra inspecção? Será que a polícia de Hong Kong entrou em contacto com a polícia japonesa?
Afinal a minha chegada a Kobe deu-se sem quaisquer incidentes, Nao houve revistas e fiz a entrega do conteúdo das malas e compreendi a razão de todo este susto.
O Senhor Pina era o Comandante dos Bombeiros de Macau e um voluntário nos serviços de assistência aos refugiados de Xangai. Era também, embora isso não fosse conhecido, informador da Polícia de Hong Kong. Quando viu um pobre refugiado de Xangai, a ir passar uma semana de ferias no Japão, o rapaz que eu tinha enviado anteriormente, informou a Polícia de Hong Kong que devia haver qualquer coisa de errado. E daí ele ter sido inspeccionado à chegada e eu ter levado com aquela recepção tão especial.

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