|13 QUESTÕES|
José Santos, da Editora Guerra e Paz, amigo de Macau e conhecedor das ambivalências do território aceitou ser submetido ao nosso questionário mortífero de 13 perguntas. Dele ficamos a conhecer mais sobre a Guerra e sobre a Paz e sobre essa ponte que faz dos livros e da leitura um dos sentidos da humanidade.
1. Qual é a história da Editora Guerra e Paz?
Não se pode dizer que tenha grande enredo... Dois dos actuais accionistas (eu e o Manuel Fonseca), com um passado de longa amizade, apreço mútuo e curta experiência no ramo (a extinta Três Sinais), descobriram em si uma disponibilidadezinha para outra experiência em comum, encontraram-se (em Macau, note-se), elaboraram o plano de negócio, procuraram outros interessados e quando deram por isso havia 70 livros cá fora mais as consequentes dores de cabeça. Decorrentes do negócio, não da falta de dioptrias nos óculos.
Parece tão fácil ...
2. Achas que as pessoas que vão para a Guerra nunca mais reencontram a Paz? Que a Vida se torna numa espécie de quarto escuro onde de vez em quando se abre uma janela?
É difícil responder à primeira pergunta, pelo respeito que tenho por quem passou pelas provações e sofrimentos da guerra, experiências que apenas lateralmente colhi. Desejo muito que reencontrem. Da leitura do Diário da Guiné e do contacto, amigável e sereno, com o António Graça de Abreu, parece-me possível. Quero acreditar que sim.
Quanto à Vida, prefiro encará-la como uma caminhada em direcção a um destino assegurado, embora, afinal, inevitavelmente desconhecido. Procuro cumprir a minha parte, dentro do meu estilo. Sem aparato, militar ou civil.
3. É objectivo da Editora que representas tentar de algum modo, com as suas edições, unir esses dois pólos? Ou é apenas uma referência literária?
Falando por mim, não tenho pretensões. A editora tem que ser exigente consigo própria, encarar seriamente os projectos em que se envolve, o que não colide com a obrigação de respeitar os direitos de todos os que contribuem para que esses projectos existam.
Há, no conjunto de quem toma decisões na Guerra e Paz, espaço e bom senso suficientes para, quando escolhemos editar, não o fazermos na perspectiva, sequer dissimulada, de manipular princípios civilizacionais ou impor critérios estéticos ; não somos donos de nenhuma das verdades. O que fazemos é lutar, como qualquer empresa, para sobreviver, o que só será possível se atingirmos um plano elevado na qualidade do que vendemos e na rentabilidade do nosso negócio.
Reconhecemos que um livro principia, habitualmente, por ser um produto intelectual e acaba sendo uma mercadoria, daí que que nos afastemos do conceito, romântico mas perigoso, do editor que só publica o que quer e/ou de que gosta.
Não perfilhamos este modelo que não nos parece nem democrático nem plural nem respeitador das opiniões dos outros, sejam os outros os leitores em geral ou apenas os restantes accionistas, de cujo capital nos servimos e, aliás, nos obrigamos a prestar contas.
O nome da editora é, de facto, uma referência literária. Eventualmente a referência maior da literatura, de todos os tempos.
4. É mais importante vender ou formar?
Sem pretender (por falta de talentos inatos) lutar pelo primeiro lugar no cômputo das profissões mais antigas do mundo, penso que ser comerciante é uma delas. Vender e comprar são actos que a humanidade pratica desde que se reconhece com tal. Se essa actividade sobreviveu, é porque contem méritos próprios, encerra princípios éticos correctos e conceitos de moralidade inatacável.
Assim, não vejo que, sendo-se um bom mercador, não se esteja já a contribuir com qualquer coisita na formação do carácter...
5. As vendas de livros em Portugal, como a edição de títulos tem vindo a aumentar nos últimos anos, quer isso dizer que os portugueses estão mais cultos ou estão a ser enganados? Concordas com o Lobo Antunes que diz que as livrarias estão cheias de lixo?
É verdade que o mercado cresceu em Portugal. Aliás, o volume de negócios dos livros já é maior do que o do sector do vinho do Porto e do que o da cortiça... Se os portugueses compram mais, é certamente porque consomem mais. Não vejo como isto possa ser mau para alguém. Até porque quem lê fica mais rico, é mais feliz. Para mim, este é que é o ponto.
Quanto à outra pergunta : o papel é bio-degradável, não?
6. Existe uma linha editorial na Guerra e Paz com regras precisas que não se podem transpôr? Há um objectivo primordial? De que maneira se pode publicitar a Editora? Quais as palavras-chave?
Penso que delineei mais atrás as nossas regras básicas e os nossos objectivos. O perfil da editora está patente no nosso site embora a realidade de ano e meio de dura luta nos tenha levado a alguns ajustamentos práticos. Mas, basicamente, revemo-nos nele.
Julgo que o que acima referi dá pistas para promover a Guerra e Paz. Existem alguns slogans genéricos, do tipo “É preciso virar a página”, mas penso que a melhor maneira de dar a conhecer a editora é divulgando os nossos livros, lendo-os, discutindo-os.
E ficaria mal aqui não referir quão grato estou à Bloom, e ao António Falcão, pelas suas esforçadas acções nesse sentido.
7. Que autores gostavas de ver editados na Guerra e Paz? Quais são os teus favoritos, os que te fizeram crescer?
O que eu queria, mas queria mesmo, era publicar TODOS, Autores e Livros. Que Deus me perdoe, mas tenho inveja, uma grande e feia inveja, de TODOS os editores do mundo!
E é melhor ficar-me por este pecado, para não cometer mais um, o da injustiça: tudo o que li, e como toda a gente fui mudando de hábitos ao longo da vida, me fez crescer. E não tenho dúvida de que todos os livros que conseguisse ler, que toda a musica que pudesse ouvir, que todos filmes ou jogos de futebol a que assistisse, me fariam ser melhor, mesmo que adormecesse a meio de qualquer destas actividades, mesmo que o Benfica não ganhasse.
Mas receio ter já consumido todo o potencial que me foi concedido para ser bom...
8. Como vês o futuro dos livros?
Penso que os livros irão certamente incorporar novas tecnologias, que contribuam para a optimização do seu uso e consumo, não só quanto à forma mas também quanto aos próprios conteúdos, e sempre que essas tecnologias os mantenham economicamente acessíveis.
Enquanto isso não acontece, temos 50 anos à nossa frente. Vai ser editar até cair para o lado.
9. Lês muito? Perdes-te no meio dos livros? Perdes a noção da realidade? Tens um Diário da tua Guerra?
Tenho sempre um livro que estou a ler. Nunca digas nunca, mas não é habitual perder-me. Pelo contrário, os livros ajudam-me a orientar no tempo, no espaço e, como leio muita ficção, com eles perscruto muito melhor a realidade. É como se estivesse num helicóptero.
Não podias ter feito uma pergunta que me desse mais jeito... É que tenho mesmo ! Chama-se “Diário de Guerra, Angola 1961-65”, foi escrito pelo soldado do exército português Etelvino da Silva Batista e publicado em edição de luxo, pela Três Sinais, editora de que fui gerente e sócio maioritário (sublinhado). E é possível que a Guerra e Paz o reedite num formato mais tradicional.
10. Vens muito menos a Macau. O que te traz ainda por cá? O jogo? A humidade relativa? O passado? O que resta dele?
O jogo não é, até porque estou impedido de jogar enquanto (não, não é por ter feito batota...). Ao passado, viajo interiormente, onde quer que esteja e sem encargos de maior.
Mas então, e as Patacas?
11. Há sempre aqueles que de um modo ou de outro regressam ao território, vem à procura não se sabe de quê. Achas que é possível encontrar a felicidade em Macau e ficar aqui até ao fim dos nossos dias?
Obviamente é possível encontrar doses de felicidade em muitos locais, em diferentes épocas e situações, mesmo de algum infortúnio. A dificuldade reside em combiná-las de maneira eficaz e tão certo é isso que as pessoas morrem à procura da fórmula.
E, em Macau morre gente todos os dias !
12. Que futuro vês em Macau, de Guerra ou de Paz?
Há várias provas de que sou péssimo como profeta: nunca acertei no Euromilhões, em tempos idos nem sequer desconfiei da proximidade da descolonização e também não consegui adivinhar o crash da bolsa em 1987.
Colocadas, humildemente, tais reservas, estou convencido de que Macau continuará a manter-se um case study de crescimento económico, temperado pela cuidada vigilância de Pequim, muito pouco interessada no insucesso do modelo a que deu asas. Se desse crescimento, que também é fisico e é brutal, vier a resultar uma considerável melhoria na qualidade de vida, material e espiritual das pessoas que por cá andam, será bom.
Mas, especificidades à parte, Macau não é assim tão diferente do resto do mundo, mas nem o facto de a humanidade se movimentar tão lentamente facilita as previsões, pois “nada muda já como soía”.
(sim, ao Sá de Miranda é absolutamente impossível resistir).
13. Que poderás dizer aos nossos leitores, para este pequeno universo que se forma na Bloomland, alguma mensagem especial, um conselho?
Lê e faz o que quiseres.
Bookmarkers: 13 Questions, Editoras / Publishers, Macau, Português