As Minhas Memórias (18)

Com a colaboração do operador de câmara Albert Young e a boa vontade dos artistas de Hong Kong, continuamos as filmagens ate ao fim. Em vez de um gravador síncrono usei um gravador vulgar de fita magnética para captar o som. Depois alterei o sistema de arrasto deste gravador, rampeando a roda de balanço e arranjando uma guia que subia ou descia por meio de um parafuso, fazendo com que a correia de transmissão fizesse o sistema de arrasto andar mais depressa ou mais de vagar. Em Hong Kong então cronometrei cada plano de imagem fazendo com que a reprodução do som correspondesse ao mesmo tempo da imagem e assim fosse passado a foto-sonoro. Desta forma consegui fazer uma primeira cópia síncrona de exibição mais ou menos aceitável e que trouxe para a estreia em Macau. Esta teve lugar no Cinema Victoria que ficava numa transversal à Almeida Ribeiro, logo a seguir ao Hotel Central, e foi um sucesso.
Uma das suas caraterísticas pioneiras era que quando os artistas portugueses falavam, havia legendas em cantonense e quando os artistas chineses falavam, havia legendas em português. Assim todos podiam compreender o filme. Havia feito um contrato com o cinema segundo o qual quando a casa estivesse mais de meia receberíamos sessenta por cento da receita. Se estivesse menos de meia, receberíamos apenas quarenta por cento. Recebemos sempre os sessenta por cento. Mas, ao fim de uma semana de casas cheias o gerente do cinema mandou-me chamar e disse-me - Amanhã tenho de tirar o filme do cartaz para estrear um filme americano. E eu perguntei - Mas porquê? E o gerente respondeu - O distribuidor diz-me que se não estrear um filme dele amanhã nunca mais me dá filme nenhum para exibição.
E assim foi.
Os CAMINHOS LONGOS saíram do cartaz e eu preparei-me para levar todo o material para Portugal, e ir a Cinelândia para refazer a montagem, o sincronismo e o som por forma a tirar uma nova cópia corrigida que nos permitisse estrear o filme em Portugal com sucesso.
Mas, sem meu conhecimento, o Professor Serra tivera uma reunião com os outros sócios aos quais dissera. - Afinal isto do filme é um grande negócio. Vejam só quanto dinheiro ele fez aqui em Macau. O que o Ferreira quer agora é pirar-se com o filme para se governar. Ora eu vou agora de licença graciosa, o Estado é que paga a minha passagem, e eu levo o filme e entrego ao distribuidor.
Quando eu soube disto fiquei extremamente revoltado e cortei relações por completo com o Silveira Machado e a Eurásia Filmes. Nunca mais quis saber de nada em relação ao filme que acho que terá sido levado para Lisboa, nunca foi exibido e não se sabe onde pára porque inclusivelmente o distribuidor que o recebeu já não existe.

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