Comecei a aperceber-me que o César de Sá estava com problemas de financiamento, quando ele resolveu produzir um filme que lhe pudesse trazer mais rendimentos e que não custasse muito caro para produzir. Assim teve a ideia de aproveitar uma peça de teatro que estava em palco no teatro Odeon com bastante sucesso, intitulada - UM MARIDO SOLTEIRO. Era uma comédia com o Eugénio Salvador e a Laura Alves e para se fazer um filme bastava construir os cenários nos estúdios da Cinelândia e filmar.
Assim foi. Pusemos de pé os cenários que na sua maioria eram os interiores de uma habitação para a qual recebemos o contributo, em decoração e mobiliário, dos Armazéns Alcobia. Eles davam essa participação em troca de uma referência publicitária a ser incluída no genérico inicial do filme. E, para este filme foi contratada a orquesta do Frederico Valério, pois que a Laura Alves fazia o papel de uma cantora da rádio e no filme aparecia a cantar acompanhada por aquela orquestra.
Ora o César de Sá tinha contratado o engenheiro Sousa Santos, de que já falei, para tratar da captação sonora do filme. Quando foi preciso gravar a orquestra do Frederico Valerio fui incumbido dessa missão mas o maestro declarou peremptoriamente que se recusava a dirigir a orquestra se não fosse o engenheiro Sousa Santos a fazer a gravação. O César de Sá com toda a sua diplomacia resolveu o problema propondo ao maestro que se fizesse uma gravação dirigida pelo Sousa Santos e depois outra dirigida por mim. O maestro no fim escolheria qual das duas seria aproveitada.
Assim foi. Depois de o Sousa Santos ter feito a gravação com dois microfones captando o conjunto da sonoridade da orquestra, eu entrei a separar os naipes e a colocar miocrofones individuais em cada solista, como já tinha feito anteriormente com as gravações de hot jazz. Por vezes, para isolar melhor os naipes de um ou outro instrumento cuja sonoridade podia ser dominada por outros instrumentos mais potentes e próximos via-me forçado a colocar painéis insonorizados forrados de sarapilheira que formavam uma espécie de gabinete privado para aquele instrumento. O maestro tratou de me levantar todas as dificuldades que pôde na colocação desses painéis, mas no final a consolação que me restou foi que a minha gravação foi a escolhida e a que afinal fez parte do filme.
Já agora e a talhe de foice, vou explicar em que se fundamentava a teoria dos dois microfones defendida pelo Sousa Santos. Dizia ele - Tudo o que ouvimos é com os nossos dois ouvidos. Um do lado esquerdo outro do lado direito portanto para captar som usamos dois microfones um para a direita outro para a esquerda. Eu contrapunha que a nossa audição era muito mais complexa do que isso e dizia - Quando estou num café cheio de gente, com um amigo a conversar, so o oiço a ele e contudo o café tem montes de pessoas a falar que eu não oiço. Nós dispômos de um dispositivo subtil que se chama a atenção e que independentemente dos décibeis (unidades de volume de som) do som geral, nos faz ouvir com mais presença e nitidez o que mais valor tem no seu conjunto.
Numa orquesta com um naipe de trompetes e outro de saxofones com um volume de som extremo e dominante, eu não deixo de ouvir e sentir o contrabaixo que me dá o ritmo, apesar de ter um volume de som em décibeis muito inferior ao dos outros instrumentos.
Hoje já não se discute a captação de som nestas bases mas... naquela altura, eu acho que, em Portugal, fui pioneiro.
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