Ora acontece que eu começava a ficar verdadeiramente preocupado com a situação financeira que comprometia o futuro projecto da Cinelândia. Eu achava que o Estado tinha a obrigação de criar as aulas de Educação Cinematográfica nas escolas e apoiar o projecto da produção contínua.
Afinal, como dizia o Sá, o cinema era a primeira linguagem não discursiva inventada pelo homem e o facto de sermos analfabetos nessa matéria não contribuiria em nada para a nossa reafirmação como povo e como cultura.
Ora eu fizera amizade com um jovem como eu, que por sinal era filho do advogado do Dr. José Manuel da Costa. E o Dr. José Manuel da Costa era, nem mais nem menos, que o Director do SNI. O SNI (Secretariado Nacional da Informação) era o organismo oficial que atribuía todos os anos os subsídios para se fazer cinema. O Dr. José Manuel da Costa havia suspendido esses subsídios há três anos porque chegara à conclusão que o sistema não resultava. Os resultados práticos desses subsídios invariavelmente atribuídos a amigalhaços não contribuía em nada para a evolução da nossa cinematografia. Por outro lado o projecto de uma produção contínua, apoiando os mais capazes produtores face aos resultados práticos das suas obras, e que o Sá defendia, era o projecto que eu explicava a esse meu amigo que por sua vez levava essas ideias ao pai, que por sua vez as levava ao conhecimento do Dr. José Manuel da Costa. E, em resultado desta minha actividade o Dr. José Manuel da Costa mostrou um especial interesse em ter uma reunião com o César de Sá para estudar a forma de o Estado patrocinar a acção da Cinelândia nesse sentido. A reunião acabou por ficar marcada para as três da tarde no Palácio Foz nos Restauradores (onde ficava a sede do SNI) e eu, eram duas e meia, já estava a porta do Palácio ansiosamente esperando pela chegada do César de Sá.
Chegaram as três horas e as quatro e do César de Sá... NADA.
Eram precisamente quatro horas quando vejo o Dr. José Manuel da Costa descendo as escadas do Palácio, com um ar bastante zangado e perguntando em voz alta - Afinal esse senhor aparece ou não aparece?
Fiquei arrasado. Ainda hoje não consigo descrever a vergonha que senti naquele momento.
Mas o destino pregou-me nessa altura a maior partida da minha vida. Eu havia recebido um postal do Ministério do Exército convidando-me para uma comissão de serviço em Macau como sargento miliciano incorporado nas tropas que iriam render a guarnição daquela Província Ultramarina na China.
Eu não fazia ideia nenhuma do que era Macau e não tinha intenção nenhuma de aceitar o convite, mas quando fui falar com o Sá por causa da sua atitude para com o Dr. José Manuel da Costa e ele me disse que tinha estado a pensar e resolvera não aceitar o apoio do Estado porque sempre lutara sem ajudas estatais, eu, de raiva, disse-lhe que ia aceitar o convite para ir para Macau.
Talvez estivesse à espera que o César de Sá mostrasse algum arrependimento ou mostrasse alguma forma de querer chegar a um entendimento mas... Nada. Mostrou uma indiferença tal que eu saí da reunião e fui ao Quartel da Graça entregar a minha decisão para o convite que me haviam feito e aceitar a incorporação.
No dia seguinte, quando o Sá soube disto disse-me com ar incrédulo - O QUÊ? Você aceitou ser incorporado no exército para ir para Macau?
E quando eu lhe disse que sim, respondeu-me - Você está maluco. Meteu-se no carro comigo e fez-se à estrada sem destino falando todo o tempo sobre as suas lutas, as suas frustrações e as suas paixões e afirmando que ia pedir a uns amigos que tinha no Ministério do Exército para anular a minha aceitação. Com a conversa acabámos por ir parar a Portalegre. Regressámos, e o Sa não conseguiu nada com os seus pedidos. Fui incorporado e embarcado no navio ÍNDIA, que fazia a sua viagem inaugural com dois mil homens a bordo a caminho de Macau para render a guarnição militar que tinha naquela terra prestado serviço durante o período da guerra com o Japão.
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