Memórias de um Cineasta (3)

Mas o meu pai era um fervoroso adepto de tudo o que em matéria de arte era clássico e profundo. Em casa só tinhamos discos de Schubert, Wagner, Strauss e sei lá que mais. E dizia-me - Isso de bonecada e efémero. Os grandes artistas que perduram pintam quadros que ficam para a eternidade - Leonardo Da Vinci, Rembrant, Van Gogh... E, assim inscreveu-me nas Belas Artes para que eu tirasse um curso de pintura a óleo. Adorei. Mas, a minha paixão continuava a ser o desenho animado. Delirava com o rato Mickey e o Pato Donald. Trabalhava agora como ilustrador da Livraria Bertrand para a qual fazia várias capas de livros como a de - CLEO ROBES ET MANTEAUX de Guido de Verona, LES OISEAUX DE MIKO e quantos outros... Também produzia paineis publicitários que eram exibidos nas montras de lojas da Baixa de Lisboa, como a Perfumaria Zinália na Rua Augusta, a Loja das Meias no Rossio ou a Camisaria Adão. Naquele tempo as lojas faziam a sua publicidade servindo-se de atistas pintores que com a sua imaginação criavam imagens e slogans promocionais. Ainda recordo que para a camisaria Adão pintei um painel de dois metros por um em que reproduzia um copo de whisky ligeiramente inclinado e que em vez de pedras de gelo tinha camisas. No cima em letras bem destacadas dizia - ESTE VERÃO, PARA SE REFRESCAR, CAMISAS ADÃO.

Nesse tempo, também, os cafés da Baixa de Lisboa eram centros de convívo e reunião cada um especializado num determinasdo tipo específico de frequentadores. Assim, a Brasileira do Chiado era o café dos escritores, a Brasileira do Rossio o café dos pintores, o Lisboa na Avernida o dos artistas do teatro, o Montanha o café dos comerciantes e o Palladium nos Restauradores, o café dos cineastas. Era este que eu frequentava e nele conheci, além de outros, o Jorge Brun do Canto, um director de cinema que tinha acabado de fazer mais um filme intitulado - LADRÃO, PRECISA-SE. Acontece que para o trailler desse filme, um pequeno filme promocional que era projectado nas sessões de cinema para mostrar um pouco do que era o filme que ia ser estreado, eu elaborei talvez o primeiro filme de animação até então produzido em Portugal. Tratava-se de um cupido que puxava de uma seta e a atirava para o ar onde escrevia - PALAVRAS CRUZADAS DE AMOR. Esse trailler foi projectado no Cinema Eden e fez história.

Como se sabe nesse tempo só se produzia cinema a preto e branco. Só os americanos produziam a cores graças a um sistema a que chamavam technicolor. Utilizava-se uma máquina de filmar especial que corria três negativos cada um filtrado para uma cor básica. So havia trinta máquinas dessas no mundo inteiro, vinte e seis nos Estados Unidos e quatro no Canadá.

Para mim era uma frustação estar a fazer desenhos animados a preto e branco quando via as produções do Walt Disney a cores. Mas desejoso de trabalhar num grande estúdio aos dezanove anos meti-me num comboio e fui para Paris. Tinha ouvido dizer que o Paul Grimault tinha um estúdio chamado - LES GEMEAUX - e estava a produzir um filme de desenhos animados de longa metragem.

Curiosamente, quando lá apareci disseram-me que só me poderiam admitir como colaborador se fosse qualificado pela ACADEMIA DA GRAND CHEAUMIERE. Assim pagam-me a admissão na Academia onde fui submetido a um curso muito semelhante àquele por que tinha passdo na Sociedade das Belas Artes em Lisboa. Só com uma diferença. Nas Belas Artes tinhamos um modelo que pousava nua numa determinada posição e nós tinhamos de a desenhar e pintar tal como a viamos. Na Academia da Grande Cheaumiere era exactamente o mesmo mas o modelo primeiro so mantinha a sua pose durante uma hora e depois mudava de posição. Aí pegavamos em nome painel e começávamos do princípio. So que desta vez o modelo so mantinha a sua posição meia hora, e lá recomeçavamos de novo. Agora eram só quinze minutos e depois só dez. Depois só cinco e só três... E no fim eramos avaliados pelo que tinhamos conseguido fazer em cada quadro com tempo cada vez mais reduzido.

Eu fui avaliado e entrei para os Estúdios do Paul Grimault como animador e deram-me uma missão que consistia em dar vida a uma personagem criada pelo Hergé, precisamente o autor do Tin-Tin. Era para um filme que explicava o que era o Plano Marshal, o plano dos americanos para ajuda a Europa depois da guerra com a Alemanha. A minha personagem era um holandês que atirava um queijo do seu país abaixo do nível do mar para a Inglaterra através do Canal da Mancha.
E estava eu muito entretido em Paris, onde já fizera muitos amigos e amigas quando fui convocado para me apresentar no Quartel da Graça em Lisboa porque fora incorporado na Escola Prática de Administração Militar com o fim de prestar o serviço militar obrigatório.

1 Comment:

  1. teresa said...
    Benvindo à Bloomland, amigo Eurico.
    Estamos ansiosos pela continuação da sua história, da qual já sabemos algumas aventuras, por si contadas na Bloom. Um abraço!

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