Acontece que nós na Torre de Controlo tínhamos um aparelho chamado ILS. Os aviões que voam segundo as Regras de Voo por Instrumentos dispõem de uma rádio bússola que é um aparelho que tem uma seta que aponta para a direcção de onde vem uma determinada emissão de rádio. Assim, todos os aeródromos, no prolongamento da pista principal, a uma certa distância, têm uma antena que emite um sinal em morse permanentemente. É o que se chama um radiofarol. No caso de Lourenço Marques era emitido um ILS. Assim uma aeronave sabia qual a direcção em que devia navegar para chegar a LM.
No momento em que o avião passava na perpendicular por cima do radiofarol, a agulha da sua rádio bússola invertia a direcção e o piloto ficava a saber exactamente a sua posição. Fazia uma volta e passava de novo sobre o radiofarol, mas desta vez a mil pés de altitude. Quando a agulha invertia, baixava a altitude e tinha diante de si a pista para aterrar.
O ILS era um aparelho que fazia precisamente o inverso da rádio bússola de bordo. Permitia a um controlador saber a direcção de onde vinha o avião, porque também tinha uma seta que apontava para a direcção da emissão do avião.
O nosso ILS não funcionava e várias vezes eu pedira para que se instalasse a antena que nos permitiria utilizar este dispositivo.
Um dia chego à Torre e vejo uns operários a trabalhar na pista. Perguntei o que se passava e fui informado que estavam a instalar a antena do ILS.
Pedi imediatamente uma audiência ao Comandante Barata e disse-lhe que a antena tinha de ser montada no prolongamento da pista senão as leituras do ângulo de vôo das aeronaves não teriam qualquer utilidade prática. O Comandante ficou furioso e despediu-se dizendo que para instalar a antena no prolongamento da pista seriam precisos mais trezentos metros de cabo e não havia dinheiro para isso. Engoli, vencido mas não convencido.
Ora o destino tem destas coisas. Algum tempo depois um avião da TAP com duzentos e tal passageiros a bordo, eram cerca das nove da noite, estava a fazer a aproximação a Lourenço Marques e eu dei todos os detalhes necessários. Ventos, tectos. visibilidade, acerto altimétrico etc. O tecto de nuvens sobre a pista estava um pouco acima do mínimo. Isto para a frente da Torre de Controlo porque para trás havia um nevoeiro cerrado que ia até ao chão. Contudo para a frente eu via a pista na sua totalidade e ao longe a luz no alto do radiofarol.
O avião faz uma primeira passagem e o piloto diz-me que tendo passado sobre o radiofarol baixara a altitude mas não vira a pista. Alguma coisa estava errada. Compreendi imediatamente que se o piloto passara sobre o radiofarol, vira inverter a agulha da rádio bússola e baixara a altitude e não vira a pista, porque estava a dar uma leitura errada e ele passara ao lado do radiofarol em vez de passar por cima. Assim, ao baixar a altitude não vira a pista porque descera para o lado de trás da torre onde tudo estava coberto e sem visibilidade.
Contudo o piloto convencera-se que os tectos de nuvens estavam mais baixos do que aquilo que eu lhe dizia e resolve fazer uma nova aterragem desta vez baixando ainda mais depois de passar o radiofarol.
A Torre de Controlo é uma caixa de vidro a toda a volta mas tem uma porta que dá para um terraço. Eu resolvi sair para o terraço para ver e ouvir quando subitamente no meio daquele nevoeiro todo que existia de um dos lados, ouço os motores do avião a avançar em direcção à Torre.
Dei um mergulho em direcção ao microfone e gritei: SUBA!!! SUBA!!!
Ouvi um barulho enorme que fez tremer a torre e vi o trem de aterragem do avião em subida a passar rente às antenas da Torre de Controlo.
Depois disto o piloto decidiu ir aterrar em Joanesburgo.
E eu no dia seguinte apresentei a minha demissão de Controlador.
O mais triste disto tudo é que correram perigo de vida duzentas e tal pessoas e tinha bastado os tais trezentos metros de cabo para eu com o ILS poder dizer ao piloto que ele tinha um erro na radio bússola e estava a passar para a esquerda do radiofarol em vez de passar por cima.
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