As Minhas Memórias (49)

POST SCRIPTUM 2

Depois de ter saído da Aeronáutica Civil de Moçambique onde era Controlador, como já recordei anteriormente, o meu amigo Domingos Azevedo que era Chefe de Reportagem do novo jornal "A TRIBUNA", de Lourenço Marques, arranjou-me um lugar como repórter naquele jornal. Assim passei a escrever todos os dias sobre acontecimentos na cidade - desastres, festas, críticas de cinema, incêndios e tudo o mais que faz parte da vida diária de uma cidade.
Um dia o Chefe de Redacção, o Fernando Carneiro, mandou-me chamar e disse-me: - Vá ao Aeroporto para fazer uma reportagem sobre um avião com turistas Sul-africanos que vai partir para Londres. É uma nova companhia turística que vai iniciar a sua actividade com carreiras aéreas a partir de Lourenço Marques.
E assim foi.
Quando cheguei ao Aeroporto estava na pista, estacionado, um Boeing da Swissair que iria partir em breve para Londres, completamente cheio, para cima de duzentos passageiros, levando turistas Sul-africanos.
Servindo-me das facilidades que me proporcionavam o facto de estar entre antigos colegas, entrei na pista e fui até ao avião da Swissair que me intrigou pelo seu mau aspecto, incluíndo falhas na pintura, um trém de aterragem com pneus completamente gastos e tubos de pressão de óleo com ligações reforçadas com adesivo. Aquilo era absurdo porque eu sabia muito bem, devido às minhas antigas funções na Aeronáutica Civil, que os pneus de um avião daqueles tinham de ser mudados, por disposição da ICAO (Organização Internacional da Aviação Civil), após quatro aterragens, nunca podendo chegar àquele estado de desgaste. Para mais, os aviões de carreira, ao fim de um certo número de horas de voo, entram obrigatoriamente na manutenção, que faz uma revisão completa a todo o aparelho, promovendo as necessárias substituições para então dar como apta a aeronave para poder voar.
Tirei fotografias ao trem de aterragem, aos tubos com adesivo e mais a umas quantas mazelas daquele avião.
Depois fui tentar saber o que estava por detrás de tudo aquilo.
Um tal senhor sul-africano que tinha uma Agência de Turismo, o Senhor Monty Rosen, oferecia passagens para Londres (voo directo), com estadia de uma semana em Inglaterra e regresso a Joanesburgo, por um preço incrivelmente baixo. Os turistas só tinham de aguardar pela data do embarque que seria quando todos os lugares do avião estivessem preenchidos.
Então o Senhor Monty Rosen fretava um avião de uma companhia aérea qualquer, enchia-o com os seus turistas e levava-os para Londres, ida e volta. A Aeronáutica Civil da África do Sul não autorizou esse negócio. Então o senhor Monty Rosen veio a Moçambique e fez um acordo com a Aeronáutica Civil, que recebia os seus aviões fretados no Aeroporto de Lourenço Marques, pagando ele uma taxa de estacionamento e serviços. Os turistas eram metidos em autocarros em Joanesburgo e trazidos para Lourenço Marques onde eram então embarcados no avião que os levariam aos seu destino.
Tudo muito bem se não fosse o facto de que os aviões estavam a ser fretados sem quaisquer certificados de garantia quanto à sua revisão. Por exemplo, aquele avião da Swissair só podia ter sido alugado a um serviço de manutenção que o tinha consigo para proceder à sua certificação.
Alugavam-no ao senhor Monty Rosen e se a Aeronáutica Civil de Moçambique os deixava voar sem certificação o problema não era deles.
Fiz a reportagem com todos estes dados e até com a fotografias do trem de aterragem do avião da Swissair, mas o Fernando Carneiro, chefe da redacção, apanhou um susto e não quis publicar a reportagem. Só o Domingos Azevedo esteve a meu favor e insistia na publicação da reportagem. O assunto acabou por chegar ao Governador que juntamente com a Direcção da Aeronáutica Civil chegaram à conclusão que a manutenção do acordo com o senhor Monty Rosen era uma fonte de receitas para a Aeronáutica Civil de Moçambique e portanto do nosso exclusivo interesse.
A reportagem foi cortada pela censura e eu terminei a minha carreira como jornalista.
Por acaso soube um ano mais tarde que um avião do senhor Monty Rosen tinha tido um grave acidente no Kano, um território africano onde morreram para cima de duzentos passageiros.

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