A Quinecor dedicou-se então principalmente à produção para televisão. Os grandes cinemas começavam a fechar. Era introduzido a pouco e pouco o conceito de que o cinema era uma arte só para elites. Apareceram os cineclubes dedicados à divulgação desse conceito e apareciam os estúdios, com duzentos lugares, bilhetes caros e uma programação para pseudo-intelectuais. Entretanto os americanos iam comprando as distribuidoras europeias e acabavam com o Cinema Europeu. O Cinema Francês que nos dera tantas obras cómicas e não só, com a sua Brigite Bardot e os italianos com a sua Cinecitá, a sua Sofia Loren, os seus filmes cheios de espírito inovador, para além das Anitas Ekberg e tantos talentos, subitamente desapareceram do mapa. Para contrariar o projecto de uma integração europeia pois se chegara à conclusão que a inovação e o progresso eram resultantes da integração de diferentes culturas (na realidade quando temos todos a mesma cultura dificilmente se encontrará algo de novo), os americanos pensaram: - Pois sim!... Podem pensar em integrar as vossas culturas para formar uma potência capaz de nos fazer frente a nós e à China, mas hão-de levar séculos para o conseguir porque não irão dispôr da nova linguagem que tornou possível à América fazer essa integração e criar uma nova potência em apenas duzentos anos: O CINEMA.
Na realidade, historicamente, quando a China se formou integrando as diferentes culturas que a constituem ( e isso só possível graças a uma escrita comum), descobriram a pólvora e a seda e tornaram-se na maior potência mundial. Como todas as potências tornou-se alvo do desejo de integração de outros povos e fecharam-se. Começaram a integrar-se novas culturas na Europa e daí nasceram Nações que descobriram as ondas hertzianas, a rádio, a televisão e tornaram-se nas grandes potências mundiais. Também se fecharam dentro da sua superioridade e abriram o caminho à integração cultural de povos de África, da Europa, e da Ásia, na América. E a América descobriu a Internet, os computadores, os robots. Mas esta integração foi muito mais rápida porque como já se disse, usou a primeira linguagem de massas não discursiva que foi o Cinema para a fazer.
Quando a América estava no seu princípio, em todos os bairros de todas as cidades havia uma coisa a que chamavam os "Nickelodeons", cinemas de bairro com bilhetes de um nickel e sessões contínuas. Entrávamos num desses cinemas e o que víamos? Multidões, descendentes de africanos, de irlandeses, chineses e sei lá que mais, vibrando, rindo e chorando com os heróis americanos, os Texas Jacks, os cowboys, as beldades americanas. E cada um quando saía já ia um pouco mais americano. Em breve havia o jazz, o sonho americano e sei lá que mais.
Ora os americanos sabem bem disso e portanto ocuparam-se, contando na Europa com a ajuda da sua aliada Inglaterra, com a destruição da estrutura europeia de cinema. Os distribuidores de cinema na Europa hoje são a Warner Brothers, a Paramoun,t etc. A Filmitalus, a Odeon, a Gaumont, a Pathé, a Filmitalus, e tantas outras, desapareceram. Em Portugal as distríbuidoras portuguesas foram para a falência.
Os brilhantes cérebros que planearam a União Europeia só se preocuparam em que os países participantes fossem democracias e dessem a independência às colónias (como era exigência da Inglaterra) e assim se fez o Vinte e Cinco de Abril para corresponder às exigências e Portugal pudesse entrar para o grupo e beneficiar das ajudas europeias.
Tenho muitas dúvidas que os nossos dirigentes tenham feito um bom negócio. Mas só, o tempo o dirá.
Então e a televisão? Eu costumo dizer que o cinema é como o futebol. Um espectáculo de massas para multidões vibrarem colectivamente enquanto que a televisão é como jogar matraquilhos. Isso faz-se em casa.
Mas sendo as coisas como são, só me restava trabalhar para a televisão. Fiz dezenas de filmes publicitários para diversas agências de publicidade, uma das quais pertencia ao Gomes Pereira, de quem me tornei grande amigo. Até que apareceu o trabalho de um tal Jimmy Henson, com o seu Cocas e de quem me tornei grande admirador. E então comecei a pensar que o sistema que ele usava, manipulando bonecos com a técnica das marionetas combinada com a técnica dos fantoches era uma boa forma de animar personagens como aqueles que eu idializara para os desenhos animados. Assim, comecei por moldar os bonecos da minha imaginação em barro. Depois fazia moldes em gesso desses bonecos. De seguida apurei a técnica de encher os moldes com poliuretano expansivo que em linguagem comum resulta em espuma de borracha. Depois tratava-se de escavar o interior por forma a que uma mão pudesse mexer a boca dos bonecos e movimentar a expressão do seu rosto. Surgia então o problema do acabamento exterior. Desenvolvi varias técnicas mas a que melhor me pareceu foi a de cobrir as superfícies dos bonecos com pó de lã, fixada com silicone de borracha. Quando tinha personagens suficientes elaborei um projecto, fiz um piloto de demonstração e fui oferecê-lo à RTP. Recebi uma carta assinada pelo Senhor Alfredo Tropa, chefe da programação da RTP, dizendo que a minha proposta tinha sido aceite, que a RTP contratava a feitura de 12 episódios mais um programa piloto que seria pago adiantadamente no valor de setecentos e cinquenta mil escudos por programa.
Assim pús um anúncio no jornal solicitando candidatos a manipuladores de fantoches e apareceram diversos interessados. Acabei por seleccionar três e, coisa interessante, os que mostravam mais capacidade eram músicos e tocavam viola.
Manipular bonecos é mais complicado do que se possa pensar. Logo no princípio reparei que quem manípula tem uma tendência para abrir a boca do boneco quando devia fechar e fechar quando devia abrir. Assim para corrigir esse erro tive a ideia de os aconselhar a pôr a mão esquerda sobre a própria boca e seguir os movimentos com a mão direita no interior do boneco quando falavam. A coisa resultou em cheio e fiz três bons manipuladores. Também construi os cenários e preparei-me para começar as filmagens mas o tal pagamento adiantado por parte da RTP, nunca chegou a vir e assim não me foi possível arrancar com a série.
Mais tarde apareceu-me o irmão do Director de Programas da RTP, o Senhor Victor Manuel, que me propôs usar os meus bonecos para uma série que se chamaria a Pandilha do Tomé. Quando negociámos esse trabalho ele disse-me que a RTP lhe pagava setecentos e cinquenta contos por cada programa e disse que me dava uma percentagem desse dinheiro pela minha colaboração. Ele ofereceu dez por cento e eu aceitei. Era mal pago mas eu estava interessado em lançar os meus bonecos aos quais chamava marioches, por serem uma combinação de marionetas com fantoches. Logo no arranque surgiu um problema. Era preciso arranjar uma loja para servir de cenário à série. Para facilitar (não era preciso fazer deslocações), construí o cenário da loja no meu estúdio da Quinecor, e mais tarde também o do quarto do Tomé e o da entrada da loja com a sua montra.
O Senhor Victor Manuel limitou-se a pagar os materiais para a construção desses cenários.
Começaram as filmagens e muitas coisas se passaram.
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