As Minhas Memórias (42)

Como eu já previra comecei a ter problemas. Para além do Américo havia o Fernando Silva, também muito de esquerda, operador de câmara que nunca fez nada para ajudar o Instituto, mas que se julgava com direitos especiais. E havia ainda o Patraquim, jornalista, também muito de esquerda, que fazia também parte daquele grupo de amigalhaços. Um dia quando eu lhes dizia que não havia cinema africano eles contrapuseram que havia sim senhor. O Senegal tinha produzido filmes. Então pedi para me mostrar esse tal filme Senegalês. Eles assim fizeram, só que o filme que me mostraram não era um filme senegalês. Era sim um filme francês feito no Senegal com africanos. O que é uma coisa muito diferente.
O Américo até chegara ao ponto de um dia me chamar e pedir para eu ir a Vila Pery porque a máquina de projecção do Cinema estava com um problema técnico qualquer. Eu fui, fiz o que tinha fazer e quando voltei percebi. Precisamente naquele dia o Presidente Samora Machel tinha ido visitar o Instituto. O funcionário já idoso que eu colocara na entrada do Instituto para fazer a triagem, que tinha uma secretária com telefones e intercomunicadores e orientava todos os visitantes para as respectivas secções, quando me viu veio a correr dizer-me que o presidente Samora Machel tinha ido visitar o Instituto. Contou-me então, que depois da visita o Presidente na entrada olhara em volta e dissera: -Sim Senhor! Isto está mais limpo do que o Hospital.
Ora como eu já previra os amigos Américo, Patraquim e Fernando Silva tinham começado a manobrar.
Então veio um soldado armado buscar-me para me levar ao Gabinete do Ministro da Informação.
Fui recebido e logo de entrada o Ministro atirou-me com esta: - Vieram dizer-me que o Senhor ainda para aí a propalar pelos cafés que eu no meu cargo ando a fazer o jogo dos interesses ingleses porque a minha mulher é inglesa.
Numa fracção de segundo percebi toda a tramóia e disse: -Senhor Ministro, muito estúpido seria eu se andasse a acusar um ministro de uma Nação recentemente independente de andar a traír o seu país. E ninguém acredita que eu andasse para aqui a defender os interesses da China só porque a minha mulher é chinesa.
E, a partir daí, explanei os objectivos na construção do Instituto. Uma escola e um veículo de expressão cultural para o povo de Moçambique. Tivemos uma longa conversa sobre esses objectivos e por fim despedimos-nos cordialmente. À saída o Secretário disse-me: - Aguarde um pouco.
Ali fiquei vigiado pela sentinela armada e quando o secretário voltou disse-me que podia ir.
Quase à saída ainda me chamou eu voltei-me e disse-me: - O nosso chefe ficou muito bem impressionado consigo.
Até àquela data o Ministro não havia nomeado Director para o Instituto. O Américo estava convencido que seria ele. Depois desta reunião eu fiquei convencido que seria eu.
Passei uma noite sem dormir a pensar no assunto.
Eu sabia que as coisas não ficariam por aqui. Se eu fosse nomeado Director do Instituto teria três inimigos mortais à perna para o resto da minha vida, e só me restaria arrasá-los ou eles me arrasariam a mim.
No dia seguinte apresentei a minha demissão no Instituto.

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