As Minhas Memórias (32)

O Comandante Barata ainda levantou muitas objecções à minha exoneração, mas eu saí da Aeronáutica Civil. Tinha cumprido os dois anos de serviço ao Estado para pagar as minhas passagens.
E, entretanto tinha conhecido o Courinha Ramos um homem que tinha uma empresa chamada SOMAR Filmes. Ele dizia que a sua empresa se chamava assim porque era o seu nome ao contrário.
A Somar Filmes dedicava-se à produção de um jornal cinematográfico mensal orientado para os aspectos comerciais e empresariais. Havia um outro jornal cinematográfico oficial produzido pelo Melo Pereira que recebia um subsídio mensal do CIT (Centro de Informação e Turismo), e que se dedicava a reportagens sobre acontecimentos oficiais - visitas de entidades governativas estrangeiras, chegada de um novo governador, inauguração de uma nova escola, etc.
Naquele tempo as sessões cinematográficas estavam, por determinação superior, divididas em duas partes separadas por um intervalo. Na primeira parte eram exibidos, documentários, jornais de actualidades, desenhos animados...
A segunda parte exibia o filme de fundo em cartaz.
Quando saí da aeronáutica, fui trabalhar para o Courinha Ramos como operador de câmara.
Dávamo-nos muito bem. Todo o trabalho de revelação, montagem, sonorização e cópias finais, tinha de ser feito na África do Sul, mais precisamente em Joanesburgo nos estúdios de Killarney.
Assim íamos com frequência os dois, porque o Courinha Ramos tinha uma certa dificuldade em falar inglês e eu não.
Um dia disse-lhe: - Queres falar bem inglês? Ao que ele respondeu: - Não tenho tempo para andar a frequentar escolas...
Não precisas, disse-lhe eu e expliquei-lhe. Tu gostas de livros policiais. Compras três livros da Agatha Christie ou do Ellery Queen na África do Sul e lês o primeiro livro. Não percebes nada do que estás a ler mas isso não interessa. Lês como se estivesses a perceber tudo integralmente. Quando chegares ao fim talvez tenhas ficado com uma ideia muito vaga sobre aquilo que estiveste a ler mas não interessa. Pegas no segundo livro e fazes precisamente o mesmo. Vais notar quando chegares ao fim da leitura do segundo livro que ficaste com uma ideia muito precisa do que se passara. Sem dares por isso estás também a começar a falar com muito mais fluência usando expressões que talvez nem saibas bem se são adequadas, mas a verdade é que comeces a expressar-te cada vez com mais facilidade. Quando deres por ti, estás a falar inglês fluentemente.

Não sei se ele seguiu o meu conselho ou não mas sei que algum tempo depois o Courinha Ramos estava a falar inglês na perfeição e eu deixei de ser útil como interprete.
Então, na Somar Filmes, comecei a desenvolver um novo projecto que consistia em montar um laboratório para a revelação de filmes. E, assim foi. Construí a primeira máquina de revelar com algumas peças que o Courinha Ramos já possuía, comprámos outras, fabricámos as restantes e conseguimos.
Para copiar os negativos construí uma copiadora a partir da cabeça de uma máquina de projectar.
E com isso deixámos de ir para a Africa do Sul para fazer os filmes.
A grande proeza foi quando chegou o novo Governador de Moçambique. Já tínhamos previamente feito um jornal completo e deixámos em aberto apenas o espaço para a reportagem da chegada do Governador, que se deu por volta das dez da manhã. Corremos com o material para o estúdio e nesse mesmo dia, às nove e meia da noite era apresentada no Scala a reportagem da chegada naquela mesma manhã.
Foi uma bomba. O Melo Pereira só viria a apresentar aquele mesmo acontecimento perto de um mês depois. O Director do Centro de Informação e Turismo chamou-o e disse-lhe: - Isto não pode ser. Ou você trata de montar um laboratório para fazer o trabalho ou teremos de dar o subsídio ao Courinha Ramos.
Então o Senhor Melo Pereira reuniu a Imprensa e anunciou alto e bom som que ia à Europa comprar o mais moderno equipamento para a montagem de um laboratório de revelação.

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