Em caso de incêndio não usar o elevador (I)

Se me perguntarem do que eu gosto mais sei muito bem o que vou responder.
Estamos num estúdio de televisão, do outro lado do ecrã os telespectadores seguem o talk show mais popular da TV, chama-se "Esta Noite", e eu fui convidado. Já me fizeram perguntas e respondi, mas não era nada de interessante.
Por um momento as câmaras viram-se para mim. A atenção do moderador e do produtor também. As duas senhoras que me acompanham neste tête-à-tête, e que falaram do que mais gostavam, podem agora descontrair por uns minutos e passar a mão pelos cabelos.
- E o Senhor Joid, de que gosta mais? - É um programa em directo, com uma pequena plateia em que as pessoas batem palmas e às vezes se riem.
- Gosto mais de mulheres. É isso, não há coisa de que goste mais.
- Mulheres? - Há um grande plano da minha cara, como no livro de Jerzy Kosinski, "Chance".
- Sim. Gosto de passar o meu tempo com elas, de as explorar como se me perdesse no meio de uma selva. - Se calhar não era suposto estar a dizer isto, não vinha no guião.
- Hmmm... - diz o moderador. As duas senhoras sentadas ao meu lado seguem-me com atenção.
- Eu sei, talvez estivesse à espera que eu respondesse outra coisa, mas é mesmo isso. Mulheres.
E são difíceis as mulheres. Complicadas. Cheias de pequenas manias.
- Os homens também são cheios de manias... - Era a voz da rapariga do meu lado esquerdo. Loira e perfumada. Saia acima do joelho. Perna cruzada. Cor de praia. Estamos no Verão.
E o moderador:
- E não gosta de mais nada? - Tem um pequeno sorriso nos lábios, quer livrar-se do assunto. É mais um daqueles palermas que não se desvia do convencional. Pensa sempre nas famílias lá em casa. E está com medo que eu solte um palavrão.
- Não. Não é que as coleccione ou as use. É sempre um acordo mútuo. Invisível. Sabemos para o que vamos. Mas às vezes é complicado. Depois começam a telefonar-me. A querer mais. Estabelecer uma relação, ir a minha casa mais vezes. Jantar fora. Ir ao cinema. E, sim, até posso fazer isso, de vez em quando. O problema é que vem sempre outra. E em certas alturas até encontro várias ao mesmo tempo. Depois já se sabe, há sempre uma ligeira confusão. - A senhora do lado direito, mais velha e mais pálida, olha-me de alto a baixo. O moderador não diz nada.
Eu continuo:
- Eu gosto de experimentar, de ver, de saborear. De apreciar o corpo todo. Porque é quase sempre uma questão de corpo. Mas também de olhar, sim. Também de olhar. E há os cabelos que voam. Os gemidos. Os beijos que se perdem.
- Na Selva? - procura saber o moderador, já mais interessado. Já mais liberto. Com o botão da camisa desapertado. A gravata mais solta.
- Sim, na Selva. É tudo uma selva, não é, as nossas vidas? Mesmo quando vinha para aqui. Cruzei-me com uma mulher. Os nossos olhares seguiram-se um ao outro, com curiosidade. E quando me cruzei com ela. Era bonita, alta, distinta. Fez assim com a boca. - E eu fiz assim com a boca. E pelo grande plano da minha cara, lá em casa toda a gente me pôde ver a fazer assim com a boca.
- Eu sei o que isso é. - diz a rapariga loira ao meu lado. - Também gosto de olhar.
- E eu pensei até que me podia virar e ver o que é que acontecia. Falar com ela. Mas às vezes o olhar, o cruzamento, o fazer assim com a boca, basta. Pelo resto fala a imaginação. Podia, sim, ir ter com ela e ser logo muito directo. Pedir-lhe o número de telefone e dizer-lhe que naquela altura não podia porque ia para um programa de televisão. Mas que mais tarde lhe ligava. "Gostava tanto de explorar o teu corpo", dizia-lhe. E era isso.
- Vamos agora para um breve intervalo e já voltamos. Não perca a segunda parte de mais um "Esta Noite", o programa que mais se desvia do convencional. - Quando apagaram as luzes e lhe tiraram o microfone, o moderador estava um pouco espantado, não sabia porque tinha dito aquilo. Não vinha no alinhamento.

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