Assim, fui investido no cargo de fiscal do selo, com direito ao uso e porte de arma e o dever de autuar todas as transgressões ao Código do Imposto de Selo por mim verificadas, o que, evidentemente, me levou a ter de estudar esse código profundamente. Na repartição fui incumbido do Contencioso das Contribuições e Impostos. Era minha incumbência todos os meses elaborar uma relação das multas pagas por transgressão ao Código do Imposto de Selo e da percentagem que do valor dessas multas cabia ao meu Chefe da Secretaria. Nada mais, nada menos do que cinquenta por cento. Todos os meses correspondia ao valor de um ordenado extra. Quando uma vez sugeri a um Inspector que se acabasse com essa prática, até porque o Oficial de Diligências que se entendia muito bem com o Chefe da Secretaria desenvolvia grande actividade na caça às infracções praticadas pelos desgraçados comerciantes que abasteciam o mercado, resposta à minha sugestão foi: - Se acabarem com as comparticipações nas multas, acabam-se as multas. A mim custava-me a perceber essa filosofia.
O mais curioso disto tudo foi que alguns meses depois, um amigo de Macau passou por Lourenço Marques a caminho de Lisboa e eu fui recebê-o e acompanhá-lo na sua curta visita. Tive pois a ideia de o levar a um Dancing muito famoso entre os turistas sul-africanos no Hotel Polana que era um Hotel de luxo muito consagrado.
Quando íamos a entrar foi-nos solicitado o pagamento de um bilhete de acesso. Tudo bem. Pagámos mas no dia seguinte na minha repartição constatei que o Hotel Polana não pagava o Imposto de Selo devido pela cobrança daquela entrada, como aliás faziam todos os cinemas pela cobrança dos seus bilhetes.
Por isso autuei o Hotel Polana. Quando um dos meus colegas soube, perguntou-me: - Autuaste o Hotel Polana? E quando eu respondi que sim ele aconselhou-me:- Desiste... Só vais arranjar chatices.
Mas eu não desisti. Na verdade tinha verificado uma transgressão e fazia parte das minhas obrigações como funcionário, autuar.
No dia seguinte o meu chefe trouxe o auto até à minha secretária e disse-me para anular o auto.
Eu respondi que não anulava e ele disse-me: - Então anulo eu...
Ao que eu respondi: - Pois sim... O Senhor anula o meu auto e eu queixo-me ao Procurador da República.
Aí ele desistiu mas no dia seguinte fui chamado ao gabinete do Director das Finanças.
Fui mais uma vez pressionado para anular o auto o que recusei e então fui ameaçado de ser transferido para Tete que era uma pequena cidade desterrada no Norte de Moçambique. E dizia-me ele: - Você tem filhos pequenos que um dia o irão acusar de ser o culpado das más condições em que tiveram que crescer.
Respondi-lhe simplesmente. Eu estou mais preocupado em que os meus filhos se sintam orgulhosos em ter tido um pai íntegro e honesto.
Aí acabou a conversa mas eu percebi que a minha vida nas Finanças ia ser um inferno e eu tinha de prestar dois anos de serviço ao Estado, no mínimo, para pagar as minhas passagens. Só havia uma solução: - Mudar de Serviço.
Assim fui ao Boletim Oficial e descobri um concurso aberto para uma vaga de Controlador da Aeronáutica Civil.
Comprei um livro sobre aviação e depois fui à Aeronáutica Civil no Aeroporto de Lourenço Marques para saber quais as matérias do concurso e onde poderiam ser estudadas.
Mas isso é outra história.
Bookmarkers: Bloom Exclusives, Cinema, Português, Vida / Life